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 por Fernando Barrichelo

Entenda os tipos de decisões com a analogia do Par ou Ímpar

Como você raciocina nas decisões difíceis? Por mais curioso que pareça, o jogo do Par ou Ímpar é uma boa analogia para a decisão estratégica, a mais sofisticada entre os três tipos de decisões.

 

No cotidiano das pessoas e dos negócios, há diversos momentos em que se tem de tomar decisões. Imagine as seguintes situações:

  • Lourdes quer comprar leite e precisa decidir se vai ao mercado mais perto, porém mais caro, ou ao mercado mais longe e mais barato;
  • Carlos vai de ônibus ao trabalho e precisa decidir se leva ou não o guarda-chuva, decisão que depende da probabilidade de chover;
  • Maurício é gerente do mercado A e precisa decidir se faz promoção de leite e guarda-chuva, decisão que depende de prever como o concorrente, o mercado B, vai reagir.

Vivemos tomando decisões sobre tudo. Algumas são simples e imediatas; outras, complexas e pedem reflexão. Entre os vários tipos de decisão, aqui vamos abordar as chamadas decisões estratégicas. Na literatura, percebe-se que a palavra “estratégia” possui diferentes significados para diferentes autores. No nosso caso, decisões “estratégicas” são como as que Maurício tem de tomar. Ele se encontra em uma situação estratégica, cenário em que a decisão de um afeta a decisão de outro, já que os resultados estão conectados. Se Maurício abaixar o preço do leite, e o mercado B não, ele será bem-sucedido, pois venderá mais. Entretanto, se Maurício abaixar o preço do leite, e em seguida o mercado B também, então ele não venderá mais — tudo depende da combinação de decisões.

Assim, o que é uma decisão estratégica?

Pense por um minuto. Decidir significa fazer uma escolha, e escolher significa selecionar um item em um menu de opções. Em um restaurante, por exemplo, para o que comer, é preciso solicitar o cardápio e um dos itens do menu. Michael Allingham, em Choice Theory, apresenta os de escolhas que rodeiam o nosso cotidiano: (1) a escolha com certeza, (2) a escolha com incerteza probabilística e (3) a escolha com incerteza estratégica. [VER NOTA 1]

Fig 1 – Os três tipos de decisão

1. A ESCOLHA COM CERTEZA ocorre quando os itens do menu de opções são finitos, com preferências e consequências bem definidas e racionais. No restaurante, por exemplo, você pode escolher entre carne bovina, frango, peixe ou massa. A decisão até pode ser difícil (“Oh, céus, tudo parece bom!”), mas depende exclusivamente do seu gosto. Para aumentar os subsídios para a tomada de decisão, você até pode consultar o garçom sobre o prato mais apreciado ou verificar indicações nas redes sociais.

Outras escolhas podem ser menos triviais. Por exemplo, escolher um automóvel é uma decisão complexa pela quantidade de variáveis a considerar. Além do preço, devem ser considerados aparência, estilo, tamanho, motor, conforto, acessórios etc. Para complicar, sempre há um trade-off: nenhum carro possui exatamente todas as características que você deseja. O carro A é mais barato, porém não possui um motor tão potente e alguns opcionais, como porta-treco para seus filhos. O carro B é mais caro, possui os acessórios desejados, mas não é vendido na cor que você gostaria, além de gastar mais combustível. Você pode criar um algoritmo (mental ou via computador) para considerar todas as variáveis e pesos de importância (suas utilidades) e criar um ranking. [VER NOTA 2]

Entretanto, o exemplo do carro é uma decisão isolada — a decisão é só sua, não há interferência de outros no resultado. Por isso, por mais difícil que possa aparecer, a escolha com certeza é o tipo de decisão mais fácil entre os três tipos: depende apenas de você, suas preferências e seus modelos.

Fig 2 – Modelo para elencar atributos

 

2. A ESCOLHA COM INCERTEZA PROBABILÍSTICA ocorre quando há certo grau de probabilidade de ocorrer um evento. Aqui entram em ação alguns conceitos de risco, chance e utilidade esperada. Para decidir se sai de casa levando um guarda-chuva, você verifica a previsão do tempo. Assim você pode decidir se corre o risco de carregá‑lo à toa se não chover, ou não o levar e ficar molhado se chover. Outros raciocínios similares são usados em jogos de azar ou loteria.

3. A ESCOLHA COM INCERTEZA ESTRATÉGICA ocorre quando o resultado da sua decisão individual é dependente da decisão individual de outra pessoa. Talvez o exemplo mais simples seja o jogo do par ou ímpar. Você decide se quer par ou ímpar e precisa escolher um número de 0 a 5. Como sabemos, não importa apenas o número que você escolhe, e sim o número que você eo seu adversário escolhem. O resultado depende da soma dos números de ambos os jogadores, e não apenas do seu número (seja par ou ímpar). Se você não quer depender da sorte, sua decisão depende da crença do que o outro jogador vai escolher.

Fig 3 – O jogo do par ou ímpar

O xadrez é um jogo mais sofisticado, mas possui a mesma dinâmica de raciocínio. Os bons enxadristas planejam várias jogadas à frente antes de tomar a decisão do próximo movimento. Não importa apenas uma jogada isolada, já que o resultado depende da reação do adversário.

Como conclusão, podemos dizer que uma decisão estratégica é aquela cujo resultado depende da combinação de escolhas dos tomadores de decisão. Em outras palavras, dizemos que existe uma interdependência de decisões.

O jogo do par ou ímpar pode ser uma brincadeira infantil, mas é uma boa representação do que é uma verdadeira decisão estratégica. São nestas situações interativas que utilizamos a Teoria dos Jogos para analisar e obter insights. Estudar situações como essas melhora seu pensamento estratégico, ou seja, sua capacidade decidir estrategicamente.

Quer tomar melhores decisões estratégicas? Exemplos mais complexos podem ser lidos no livro ou no link de artigos online. Particularmente, um modelo famoso sobre decisões estratégicas e Teoria dos Jogos é o Dilema dos Prisioneiros, e suas implicações, como a Estratégia da Cidade Limpa e Quando a retaliação induz a colaboração.

Boa leitura.

 


NOTAS:
[ 1 ] ALLINGHAM, M. Choice theory: a very short introduction. Oxford University Press, 2002.
[ 2 ] Trade-off é uma expressão em inglês que significa “ato de escolher algo em detrimento de outro”. Um trade-off se refere, geralmente, a perder uma qualidade ou um aspecto de algo mas ganhar em troca outra qualidade ou outro aspecto.
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