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 por Fernando Barrichelo

Conheça os três tipos de “projetos experimentais” para encontrar o trabalho da sua vida.

Esse artigo é baseado no livro “Como encontrar o trabalho da sua vida”,  Roman Krznaric, do The School of Life, Editora Objetiva, 2012 (link). Seguem alguns trechos interessantes para uma reflexão ao mesmo tempo provocativa e pé no chão.

Nesta PARTE 1, o autor defende o lema “agir primeiro, depois refletir” para você sair da inércia e começar a testar o seus “múltiplos eus” através de três formas: (1) períodos sabáticos experimentais, (2) projetos de ramificação e (3) pesquisa conversacional. Você depois pode ser a PARTE 2.

O anseio pelo emprego ideal

O desejo de encontrar realização no trabalho – um trabalho que proporcione um verdadeiro senso de propósito e reflita nossos valores, paixões e personalidade – é uma invenção moderna. O termo fullfilment (realização, satisfação) não aparecia em 1755 no dicionário americano. Até a algum tempo atrás, a maior parte da população estava ocupada lutando para atender as necessidades de subsistência e empregos para se aposentar. Hoje, na era da realização, o grande sonho é trocar dinheiro por um sentido de vida.

Em pesquisas recentes na Europa, 60% dos trabalhadores escolheriam uma carreira diferente se tivessem a opção de começar tudo de novo. Nos Estados Unidos, a satisfação com o trabalho está em seu menor nível – 45% – desde que essas estatísticas começaram a ser compiladas duas décadas atrás. O emprego vitalício morreu, e em seu lugar surgiu um mundo de contratos de curto prazo e empregos temporários, em que o vínculo empregatício dura em média quatro anos, nos forçando a fazer cada vez mais escolhas, muitas vezes contra a nossa vontade ou errando no caminho.

Mas será que é realmente possível encontrar um trabalho em que possamos prosperar e nos sentir realmente vivos? Será que se trata de um ideal utópico reservado para os poucos privilegiados tem os meios financeiros para arriscar abrir um café com ioga para bebês ou para quem possui as conexões sociais certas? Algumas pessoas, especialmente as que vivem à margem da sociedade, podem não ter quase nenhuma oportunidade de alcançar esse objetivo. Precisamos reconhecer isso. Se você precisa sustentar sua família com um salário muito baixo ou numa recessão econômica, a idéia de uma carreira gratificante pode ser interpretada como um luxo.

 

Existe uma boa notícia

É possível encontrar um emprego ideal se você refletir bastante – e é isso que o livro induz no leitor. Roman Krznaric, em cada capítulo, conduz o tema em um raciocínio bastante envolvente. Primeiro, é importante saber o que realmente estamos procurando e quais os elementos essenciais de uma carreira gratificante. Ele cita o sentido, fluxo e liberdade. Por exemplo, devemos preferir uma carreira com alto salário e status, ou um causa que acreditamos para fazer a diferença? Queremos ser um especialista num campo de conhecimento ou abarcar em vários temas com resultados mais abrangentes? Como equilibrar as ambições profissionais com as obrigações com cônjuge e filhos?

segunda grande pergunta que permeia o livro é como mudar de carreira depois que você refletiu e percebeu que não está satisfeito com sua vida (o sentido, o fluxo e a liberdade). Krznaric propõe três passos. O ponto de partida é compreender a fonte das suas confusões e anseios quanto a deixar seu emprego e buscar uma nova carreira. O próximo passo é rejeitar o mito de que existe um emprego único e perfeito e, invés disso, identificar os seus “múltiplos eus” – uma gama de potenciais carreiras que podem atender todos os seus lados de sua personalidade. Finalmente, ele sugere deixar de lado o paradigma de “primeiro planejar, depois agir” e começar já – realizando projetos experimentais que testem os “múltiplos eus” no mundo real.

Abaixo vou focar esse segundo tópico (como mudar de carreira), mas recomendo a leitura do livro completo.

 

Como mudar de carreira

Enquanto algumas pessoas se sentem inspiradas em fazer mudanças, outras se sentem incapazes e até intimidadas. Por que? A resposta é que, para mudar de carreira ou emprego, apesar de sonharmos com isso, é preciso de coragem. Nós podemos ter identificado uma variedade de carreiras, ou “múltiplos eus”, com perspectiva de um trabalho realizador: talvez abrindo um negócio, fazendo um curso de direito ou tornando-se um tradutor autônomo. Mas como criar coragem para mudar e fazer as escolhas certas no meio do caminho?

Primeiro é preciso compreender a psicologia do medo, e por que a ideia de mudar de profissão pode criar tanta ansiedade. O autor explora bastante a biologia evolucionista e os estudos de Amos Tversky e Daniel Kahneman. Eles descobriram que, quando avaliamos perdas e ganhos, nós odiamos perder duas vezes mais do que adoramos ganhar. O medo do fracasso chega a ser quase uma aflição universal. Você não está sozinho(a) neste sentimento.

Segundo, você precisa mudar a mentalidade de “planejar, depois implementar” para “agir primeiro, depois refletir”. O problema com o modelo “planejar, depois implementar” é simples: raramente funciona. O que geralmente acontece é que acabamos em empregos que não combinam com a gente, pois não temos nenhuma experiência de como eles são na realidade. Ainda, passamos tanto tempo tentando conceber o que seria a carreira perfeita, pesquisando incessantemente ou nos perdendo em meio a pensamentos confusos sobre a melhor opção, que acabamos não fazendo nada, aprisionados na armadilha paradoxal das escolhas.

As pesquisas recentes demonstram que as mudanças bem-sucedidas requerem uma dose significativa de aprendizado experimental. Assim como não podemos aprender carpintaria como um livro, não podemos trocar de carreira sem atividades práticas. Primeiro, é preciso identificar uma variedade de “possíveis eus” – carreiras que consideramos capazes de nos oferecer propósito e sentido (o tema do resto do livro). Depois, é preciso vivê-las na realidade mediante projetos experimentais. Após um período de “encontros” com empregos, estaremos em condição de tomar decisões melhores e mais concretas. O maior erro que as pessoas cometem quando tentam mudar de carreira é esperar a definição de um destino para dar o primeiro passo.

Os “projetos experimentais” que Krznaric sugere para você comecar a testar o seus “possíveis eu” na realidade podem ter três formas principais: (1) períodos sabáticos experimentais, (2) projetos de ramificação e (3) pesquisa conversacional. Eles foram concebidos para se adequar a diferentes tipos de pessoas em diferentes ambições de carreira e em diferentes estágios de suas jornadas. Vou resumir cada um deles:

 

1. Períodos sabáticos experimentais

Um período sabático não é um longo período de férias, e sim um período dedicado a projetos ativos, como se tornar sombra de alguém e acompanhá-la em seu trabalho ou se voluntária numa organização atraente. O autor cita a estória de uma moça que se arriscou em 30 empregos curtos para flertar com trinta possíveis futuros eus.

 

2. Projetos de ramificação

A forma de projeto experimental mais comum é o projeto de ramificação ou missão temporária. Um dos mais frequentes mitos sobre mudança de carreira é a crença de que é necessária uma mudança drástica – chegar numa segunda-feira, pedir demissão e ir direto para o desconhecido. Com um projeto de ramificação, uma estratégia tão arriscada não é necessária, pois se baseia em experiências breves em áreas periféricas a sua atual carreira, nas quais testamos os possíveis eus. Além das opções de acompanhar outro profissional ou nos voluntariar, podemos fazer um curso de treinamento que nos permita sentir o gosto de uma carreira diferente, ou experimentar uma versão inicial e reduzida de um possível novo emprego.

Como exemplo, imagine que você se sente aprisionado em seu emprego de agente literário e está pensando em se tornar um professor de ioga. O que fazer? Pare de pensar sobre isso e tome uma atitude. Comece a dar aulas de ioga nas horas livres, talvez a noite, durante a semana ou nos fins de semana, para saber se isso realmente provoca aquela centelha de vida. Se isso acontecer, você pode ir aumentando gradualmente os horários até se sentir com a confiança necessária para deixar a carreira antiga para trás.

Você terá dado diversos pequenos passos com riscos pequenos, mas que podem levar a grandes resultados. E se não se sentir que é a coisa certa, pode então iniciar outro projeto ramificado para testar outro possível eu. Pode levar algum tempo para experimentar múltiplos eus, mas existem provas de que essa parte é necessária para um processo de mudança bem-sucedido.

O autor cita que foi assim que ele fez. Krznaric era diretor de projetos de uma empresa e sentiu desejo de tocar as próprias oficinas sobre a arte de viver. Mas os riscos financeiros o preocupavam e nada ia adiante. Até que, numa conversa com a esposa, ela disse – pare de falar, pegue a sua agenda e marque a primeira data da oficina. Foi o que fez, enviou emails a amigos, recrutou dez cobaias e fez a primeira oficina na cozinha da cada dele, num sábado. Depois de mais alguns cursos de finais de semana na cozinha, enquanto trabalhava na empresa, procurou o QI Club em Oxford e perguntou se aceitariam incluir, como parte de sua programação, um curso noturno sobre a arte de viver. Logo se tornou atração regular, as aulas foram se tornando populares e, meses depois, se sentiu seguro para largar o emprego, tendo superado o medo primitivo do fracasso.

 

3. Pesquisa conversacional

Esse é o último formato de projeto experimental, um processo que talvez seja menos assustador do que o período sabático radical ou um projeto de ramificação, mas pode ser igualmente eficaz. Trata-se simplesmente de conversar com pessoas que passaram por diferentes experiências de vida e que se dedicam ao tipo de trabalho que você se imagina fazendo. Pode parecer uma estratégia óbvia, mas vale a pena pensar por que conversar é um componente tão vital para qualquer mudança de carreira bem-sucedida.

Um dos maiores obstáculos à mudança é que ficamos aprisionados à rigidez do nosso círculo social e de colegas de trabalho. Se você é advogado e passa a maior parte do tempo com outros advogados, é provável que isso condicione seus ideais e aspirações: você pode sentir que precisa de uma salário alto ou de uma casa bonita e férias de luxo, e que trabalhar sessenta horas por semana é completamente normal. Em outras palavras, nosso meio social determina fortemente a nossa “visão de mundo” – nossa estrutura mental relativa ao sistema de crenças e referências.

O problema é que pode ser muito raro interagimos com pessoas que veem o mundo de uma maneira muito diferente da nossa. Como o autor provoca, quando foi a última vez que você passou uma tarde com um criador de abelhas ou com um curandeiro xamânico? O resultado é que nossas prioridades e valores são continuamente reforçados. Você pode sonhar em largar o direito e ir lecionar numa escola antoposófica, mas provavelmente concluirá que é uma ideia extravagante e pouco realista – assim como a maioria dos seus amigos. Nossa visão de mundo é uma camisa de força psicológica que nos impede de ir atrás de novas possibilidades.

Uma das melhores maneiras de escapar deste confinamento é variar o grupo de colegas e conversar com pessoas cujas experiências profissionais e cotidianas sejam diferentes das nossas. Se você quer largar o direito, pode ser sensato passar menos tempo com seus amigos advogados. Mais especificamente, você pode aprender muito conversando com pessoas que fizeram mudanças de carreira e seguiram pelos caminhos pelos quais você deseja enveredar. Se você se cansou do mundo acadêmico e quer se tornar um paisagista, faça todo o possível para encontrar um colega de faculdade que tenha dado esse passo ou feito alguma outra mudança radical.

A pesquisa conversacional é também uma estratégia particularmente positiva para conhecer carreiras difíceis de serem testadas em projetos de ramificação. Imagine que você é um professor de ioga que quer se tornar um agente literário. Ao contrário do que acontece com aulas de ioga, é difícil experimentar ser um agente literário: não é possível abrir uma miniagência no seu tempo livre e tentar atrair alguns autores para ver se você gosta disso. Um ponto mais viável é achar um agente e conversar sobre os altos e baixos do seu dia a dia.

Além disso, os estudos sobre mudança de carreira repetidamente mostram que a maioria das pessoas encontra trabalhos por intermédio de contatos pessoais e não pode meios oficiais, e que a troca de carreira requer o desenvolvimento de uma nova rede social. A pesquisa conversacional cria uma abertura para isso.

 

 

Vamos começar !!!

Nesta parte do livro, Krznaric é enfático para dar o seguinte conselho:

Pense em três possíveis eus. Depois, imagine três formas em que você possa “ agir primeiro e refletir depois ” para testar cada um desses eus. Tire meia hora agora mesmo e mãos a obra. Ligue para uma organização que lhe interesse e pergunte se aceitam voluntários. Registre um nome de domínio para um negócio que você tenha imaginado. Arranje o programa de um curso que gostaria de fazer. Envie um email para um amigo que seja realizador amplo e pergunte se vocês podem se encontrar.

Até mesmo pequenos passos como esses podem ser catalisadores para a remodelagem de seu futuro. Como disse Goethe: a indecisão traz seus próprios atrasos. E os dias se perdem em lamentos. Está disposto? Agarre o momento. A ousadia possui o talento, a força e a magia. 

Agora que você já viu como dar os primeiros passos na PARTE 1, convido você a ler na PARTE 2 quais os elementos de uma carreira gratificante para auxiliar nossas decisões e refletir quais são suas maiores motivações.


NOTAS:
[1] Como encontrar o trabalho da sua vida, Roman Krznaric, The School of Life, Editora Objetiva, 2012

 

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