Artigos

Print Friendly, PDF & Email

 por Fernando Barrichelo

Isso relaxa e aumenta a empatia

Odeio esperar. Esperar é uma coisa muito chata. Até aqueles minutos aguardando o elevador é chato, dá uma sensação de perda de tempo e impotência. Nestes momentos, como uma pessoa normal, pego o celular – praticamente um vício.

Já escrevi anteriormente um artigo chamado “Seu smartphone é o novo caça níqueis”. Relembrando: é muito comum correr para o celular entre reuniões ou aguardando numa fila. Mergulhar no seu dispositivo certamente te engaja e envolve, é uma atividade intencional com um resultado gratificante. O problema é que essa atividade intencional tem um custo – ela te vicia. Os cientistas classificam esse novo hábito como um “vício comportamental” que, na verdade, é muito parecido com o “vício em substâncias”. O vício baseado na ingestão de uma substância é gostoso no curto prazo, mas no longo prazo apresenta efeitos colaterais indesejados. O vício comportamental segue o mesmo caminho. No artigo apresento algumas razões científicas sobre porque nossos smartphones viciam.

Mas deixando o assunto do vício de lado, na verdade tudo se resume ao tema “o que eu faço com o meu tempo?” e como lidar com a espera de forma mais saudável. Abaixo apresento algumas sugestões.

COMO ESPERAR COM MAIS PACIÊNCIA

O escritor Jan Chozen Bays dá uma dica no livro Como domar um elefante (53 maneiras de acalmar a mente e aproveitar a vida). Eu transcrevi alguns trechos no meu artigo “Aproveite a espera“. Como lembrete, é o seguinte:

O autor sugere que você encare qualquer situação de espera – a fila do banco, o atraso de alguém, o ícone “por favor, aguarde” no computador – como uma oportunidade de praticar atenção plena ou meditação. O mais simples é fazer algumas respirações profundas para ajudar a dissipar a tensão corporal de ter que esperar.

 

Outra prática útil para um período de espera é escutar os sons, abrindo e expandindo a audição até abarcar todo o ambiente onde você estiver. Quando notar que está ficando chateado por “ter que ficar esperando”, considere: “Mas isso é ótimo! Sem querer, arrumei um tempinho para praticar atenção plena”.

 

Quando somos obrigados a esperar no meio de um congestionamento, por exemplo, o instinto é fazer algo que nos distraia do desconforto da espera. Ligamos o radio, telefonamos ou enviamos uma mensagem de texto para alguém. Praticar atenção plena durante uma espera ajuda a descobrir esses vários pequenos momentos do dia em que podemos puxar o fio da consciência. A mente ganha um duplo beneficio com isso: primeiro, abandona estados mentais negativos; segundo, recebe o efeito salutar de mais alguns minutos de prática entremeados ao longo do dia.

 

Sempre que conseguimos parar e impedir o inicio da ação de um estado mental negativo (digamos, ficar irritado com o trânsito ou cheio de raiva do caixa vagaroso), estamos apagando um padrão habitual e insalubre do coração e mente. Aquele estado habitual de irritação e frustração com “ter que esperar”, ou com qualquer outra coisa, acabara se dissipando. Leva tempo, mas funciona. E vale a pena, porque ao nosso redor todos se beneficiam. Portanto, não fique aborrecido quando tiver que esperar; alegre-se com esse tempinho extra e exercite manter-se no momento presente.

De novo, vale ler o trecho original na íntegra aqui.

OBSERVANDO TRÊS PESSOAS NO ÔNIBUS

Recentemente eu estive no aeroporto em viagem de trabalho e precisei usar aqueles ônibus chatos pois o avião não estacionou nos fingers. Ficar esperando o avião já é entediante, imagine aqueles minutos dentro do ônibus. Olhei ao redor, e claro que 80% das pessoas pegou o celular. Resolvi conter o impulso e comecei a observar algumas pessoas. Aqui faço o relato de três observações.

Primeiro, vi uma moça com um tênis branco, sujo de marrom. FIQUEI IMAGINANDO onde ela o sujou. Aparentemente já estava seco, então era uma sujeita acumulada e antiga. Será que ela vai em reuniões com ele? Ela parecia estar com uma mochila de trabalho, e não de lazer. Ela estava tão feliz contando algumas coisas para uma amiga que até contagiava. Imagino que o tênis branco sujo não a incomode. Que inveja. Dai olhei para os meus sapatos pretos sociais (eu estava a trabalho) e percebi que também estavam sujos. Há muito tempo que não os engraxo. Eu também estava feliz e dane-se o sapato. Bem, minha esposa não concorda necessariamente com essa filosofia “pessoas com paz de espirito não engraxam sapatos”.

Segundo, um outro jovem com uns 2 metros de altura estava em pé, com o pescoço torto para caber no ônibus. FIQUEI IMAGINANDO quantos problemas um cidadão daquela altura encontra no dia a dia. Os objetos e instalações do cotidiano são feitas para uma pessoa média, excluindo os muito baixinhos e muito altos. Para ele, viajar deve ser complicado. Os assentos dos aviões estão cada vez menores, exceto algumas poltronas, mas precisa pagar por elas. Ou seja, além de física e emocionalmente, ser alto demais também deve ser mais custoso em termos financeiros.

Terceiro, mesmo sendo um dos primeiros a entrar, um senhor grisalho empacou na porta do ônibus. Todo mundo olhava-o irritado. Havia muito espaço no meio do ônibus e diabo do homem queria ficar perto da porta. FIQUEI IMAGINANDO que ele deveria estar atrasado e posicionou-se na entrada para sair na frente de todos. Mas isso não faz sentido nenhum, pois estávamos embarcando. Se estivéssemos desembarcando, faria sentido para sair rápido do aeroporto e pular no taxi para uma reunião em cima da hora. Mas para embarcar, tanto faz, inclusive pois os assentos são marcados. A expressão facial dele não era de uma pessoa ranzinza, era até simpático. Então deveria existir outra razão para aquele desespero. Qual seria?

Achei interessante o que consegui testemunhar e imaginar naquele curto espaço de tempo, no lugar de pegar o celular e ver os emails atrasados do trabalho ou dar risadas das novas piadas no whatsapp. Eu geralmente respondo rápido os emails e mensagens, as pessoas até gostam desta rapidez. Mas desta vez respondi com um atraso de 15 minutos (uia).

De forma racional, num período de apenas 15 minutos (amarrotado no ônibus) eu teria quatro opções para passar o tempo:

  • entrar em modo de mindfullness (concentrar, sentir a respiração, etc)
  • observar as pessoas em geral (o que fiz)
  • usar o celular para assuntos sérios (responder email ou apresentação de trabalho)
  • usar o celular para assuntos de entretenimento (whatsapp, facebook, portais de notícias)

Como não existe certo ou errado, voce pode opinar que a número 2 (observar o tênis sujo, o gigante com pescoço torto e o senhor com pressa a toa para embarcar) não agregou nada na minha vida. Bem, pense por um outro lado.

LER FICÇÃO AJUDA NA EMPATIA

Além de alguns benefícios já citados no artigo de “aproveite a espera”, recentemente eu li um artigo que argumenta porque devemos ler diariamente, segundo a ciência.

Algumas razões citadas no artigo são: (1) a leitura aumenta seu vocabulário mesmo na fase adulta, (2) a leitura pode diminuir o seu nível de estresse e (3) a leitura muda o circuito do seu cérebro. Uma quarta razão me chamou atenção: ler ficção melhora a capacidade de entender os estados mentais dos outros.

Fui pesquisar a fonte do artigo. Achei o estudo citado, publicado na revista Science (veja esse link e esse outro link). Em resumo, é o seguinte:

A capacidade de identificar os estados mentais dos outros é um dos produtos mais impressionantes da evolução humana. Entender os pensamentos e sentimentos dos outros é uma habilidade crucial para conviver nas complexas relações sociais e ajuda a ter respostas mais empáticas. É comum promover essa habilidade em nossos filhos ao fazê-los prestar atenção aos estados emocionais dos outros: “Filho, você acha que essa pessoa está feliz ou triste como uma conseqüência de sua ação?”. Tais encorajamentos explícitos geralmente diminuem a medida que as crianças crescem e conseguem se envolver em relacionamentos interpessoais de forma mais autônoma.

 

No entanto, poucas pesquisas investigaram o que promove essa habilidade, que é conhecida como Teoria da Mente (ToM) em adultos. Algumas práticas culturais podem ajudar a promover e refinar essa sensibilidade interpessoal. Uma delas é ler ficção. Esse estudo apresenta cinco experimentos mostrando que a leitura de ficção aumenta temporariamente a empatia e o ToM em comparação com leitura não-ficção.

 

Como exemplo, a ficção expande nosso conhecimento da vida dos outros, ajudando-nos a reconhecer nossa semelhança com eles. A ficção pode mudar “como”, não apenas “o que”, as pessoas pensam sobre os outros. A ficção também afeta os processos de ToM porque nos força a nos engajar na leitura da mente e na construção de caráter. A narrativa da ficção envolve seus leitores de forma tão criativa quanto os próprios escritores. A boa ficção leva os leitores a entrar em um discurso vibrante com o autor e seus personagens. O estudo diz que a literatura envolve os leitores em um discurso que os obriga a preencher lacunas e procurar “significados entre um espectro de significados possíveis”.

 

Assim, a ficção envolve os processos psicológicos necessários para ter acesso às experiências subjetivas dos personagens. Assim como na vida real, o mundo da ficção está repletos de indivíduos complicados cuja vida interior raramente é facilmente discernível. O mundo da ficção representa menos riscos do que o mundo real, e apresenta oportunidades para considerar as experiências dos outros sem enfrentar as conseqüências potencialmente ameaçadoras desse envolvimento.

 

Com conclusão, os leitores da ficção recorrem a recursos interpretativos mais flexíveis para inferir os sentimentos e pensamentos dos personagens. Ou seja, eles envolvem os processos da Teoria da Mente (ToM), aumentando a empatia e o entendimento dos pensamentos e sentimentos dos outros.

Mas note: é preciso ler, ler e ler constantemente. Uma leitura simples não vai te transformar, mas já é um caminho para o auto-desenvolvimento e uma grande opção para passar o seu tempo. Vale ler o estudo na íntegra para mais evidências e entender os experimentos em si.

FAZENDO O SEU PRÓPRIO ENREDO DE FICÇÃO

Eu já tinha postado há algum tempo o resumo sobre as boas razões para a leitura diária, e um dos meus amigos respondeu: “Me lasquei, não gosto de ler ficção”. Concordo que a maioria dos adultos profissionais frenéticos das corporações podem até ler bastante, mas poucos títulos de ficção (eu também).

Mas pense bem. Naqueles quinze minutos apenas observando, além dos benefícios do artigo sobre a espera, eu criei um enredo na minha cabeça. Eu fui o próprio autor de um trecho de ficção:

  • que bom que a moça se sente bem com o tênis sujo
  • coitado do moço alto com dor de pescoço e as dificuldades de ser tão grande
  • qual o motivo do senhor estar tão aflito para não sair da porta de entrada do ônibus

O artigo da Science cita que este é um exercício que fazemos com nossos filhos: inventamos cenários e pedimos para a criança tentar adivinhar os estados mentais dos outros. O artigo não diz os benefícios de “escrever” ficção, apenas ler, mas acredito que seja até mais potencializador aos escritores. Neste sentido, “imaginar” trechos de ficção podem ter efeitos semelhantes ao da leitura, e pode ser um alternativa.

De fato, fiquei um pouco mais empático com aquelas pessoas sem interagir (e durante as próximas duas horas) do que se eu estivesse ficado sem olhar para ninguém, concentrado no celular, vendo os videozinhos virais do whatsApp. Acabei criando um enredo de ficção sem precisar ler.

Foi um passatempo curto e eficaz, em alternativa a irritação pela espera, em alternativa ao celular e em alternativa a meditação com respiração. Foi até mais simples – apenas ficar olhando pessoas e criando hipóteses e enredos mentais. Nada demais, mas bastante relaxante.

O QUE VOCÊ FAZ COM O SEU TEMPO?

Como resumo deste artigo, note que existem três temas em um: (1) o vício do celular, (2) o que fazer com a espera e (3) os benefícios da leitura de ficção.

E temos uma grande conclusão: observar as pessoas nos momentos de espera e criar os próprios enredos de ficção pode ser mais prazeiroso do que simplesmente ficar irritado ou se distrair com bobagens no celular. Além de dissipar a tensão e abandonar os próprios estados mentais negativos, serve para aumentar a empatia e habilidade de ler os estados mentais dos outros.

Perceba que tudo se resume ao tema “o que eu faço com o meu tempo?” – são as mesmas 24 horas para todos.

Aliás, este artigo foi escrito no taxi, voltando do aeroporto de Congonhas naquele mesmo dia, no trajeto até minha casa, digitando no celular. Naquele dia eu agradeci pelo trânsito estar ruim em São Paulo. Não fiquei incomodado pela “perda de tempo”, pois eu precisava de um tempinho extra para colocar todas as idéias no bloco de notas. O tempo foi exato; quando o taxi chegou em casa, eu escrevi a última palavra.

Tempo… o que fazemos com ele?

 


REFERÊNCIAS
1. Seu smartphone é o novo caça-níquel, de Fernando Barrichelo. http://estrategiasdedecisao.com/smartphone/
2. Aproveite a espera, de Fernando Barrichelo. http://estrategiasdedecisao.com/aproveite-a-espera/
3. Como domar um elefante (53 maneiras de acalmar a mente e aproveitar a vida), de Jan Chozen Bays.
4. Why You Should be Reading Books Every Day, According to Science, de Christina DesMarais. https://www.inc.com/christina-desmarais/why-you-should-be-reading-books-every-day-according-to-science.html
5. Reading Literary Fiction Improves Theory of Mind, de David Comer Kidd e Emanuele Castano. https://www.researchgate.net/publication/257349728_Reading_Literary_Fiction_Improves_Theory_of_Mind

 

FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.

 

 

Comentários