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 por Fernando Barrichelo

Entenda esse vício comportamental e comece a olhar a sua volta

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QUAL É A PRIMEIRA COISA que você faz quando sai de uma reunião ou de uma aula? O que você faz para passar o tempo quando está esperando numa fila? Antigamente, esses momentos intermediários serviam como uma pausa para refletir. Agora, nós corremos para pegar o smartphone e entrar no “fluxo de comunicação”, sintonizando o mundo em vez de sintonizarmos a nós mesmos, como diz Scott Belsky, no artigo Tuning in to you (em tradução livre: Sintonizando você).

Mergulhar no seu dispositivo certamente te engaja e envolve. Seja comunicando-se com os outros, lendo uma notícia ou verificando as estatísticas do seu post, é uma atividade intencional que te dá um resultado específico e gratificante. Não fazer nada durante esses momentos de inatividade parece menos intencional: uma ação sem foco e sem resultados claros. Você vê pouca vantagem em estar apenas presente no momento, com olhos e mente bem abertos. O problema é que essa atividade intencional tem um custo – ela te vicia.

Neste artigo apresento algumas razões científicas sobre porque nossos smartphones viciam e o que fazer para ter uma vida mais equilibrada e criativa.

 


O NOVO VÍCIO COMPORTAMENTAL

É um vício como outro qualquer

Cientistas classificam esse novo hábito como um “vício comportamental” que, na verdade, é muito parecido com o “vício em substâncias”. O vício baseado na ingestão de uma substância é gostoso no curto prazo, mas no longo prazo apresenta efeitos colaterais indesejados.

O vício comportamental é semelhante, apenas não envolve a ingestão de uma substância. Para alguma coisa ser viciante, basicamente precisa existir um comportamento que você faz compulsivamente e seja gostoso no curto prazo. Então você volta a ele várias vezes, e a longo prazo prejudica o seu bem-estar nos aspectos sociais, físicos e psicológicos.

Adam Alter, no vídeo The Internet is heroin and your Smartphone is the needle (em tradução livre: A internet é a heroína e seu celular é a agulha), sugere algumas razões para essa nova forma de vício.

Tudo é portátil

A primeira razão é que a tecnologia hoje é mais sofisticada do que há 20 anos. Se você jogou videogames nos anos 80, 90 ou 2000, os consoles e TVs não iam em todo lugar com você; eles eram amarrados em seu PC. Até existiam alguns dispositivos portáteis, mas eram muito mais primitivos. Hoje, além de portáveis, são poderosos e os jogos estão conectados online a internet móvel.

A mídia social é outro ótimo exemplo pois agora ela viaja conosco. Antes costumava ficar confinada a computadores domésticos, mas isso não é mais o caso. Com isso, as pessoas gastam cerca de três horas por dia, em média, usando seus smartphones. São verdadeiras “horas de vigília” que passamos quando não estamos no trabalho.

Gostamos de imprevisibilidade e rapidez

A segunda razão é que os novos dispositivos oferecem os dois tipos de recompensas que as pessoas precisam para se viciar: imprevisibilidade e feedback rápido, tanto os positivos como os negativos.

Como exemplo, quando você publica algo on-line, as vezes você recebe muitos likes, as vezes não: achamos essa imprevisibilidade muito atraente. A internet e interconectividade é capaz de dar esse feedback (a recompensa) muito rapidamente. Com os smartphones você pode se conectar a outras pessoas, ter acesso a jogos online, além de e-mail e mídias sociais, sendo ótimos veículos para fornecer os likes que você tanto precisa.

As empresas desenham produtos viciantes

A terceira razão para o novo vício comportamental é que as empresas são agora muito mais inteligentes para usar tudo a favor delas. Você pode contratar especialistas comportamentais para lhe dizer como projetar produtos e mídias bastante viciantes. As empresas têm recursos propositadamente construídos para ser difícil de resistir, e então ficamos dependentes por eles.

Eu mesmo já participei de um curso em San Francisco sobre isso – o Behavior Design Conference 2017, onde o organizador e autor Nir Eyal ofereceu uma série de embasamentos teóricos e práticos. Em sua palestra baseada no seu livro Hooked: how to build habit-forming products (em tradução livre: Viciado: como construir produtos que foram hábitos), ele argumentou que numa era de distrações cada vez maior, a criação rápida de hábitos nos clientes é uma característica importante dos produtos de sucesso.

 

Nir ofereceu dicas para as empresas criarem produtos para as pessoas usarem todos os dias. O workshop apresentou uma nova maneira de pensar nos componentes necessários para mudar o comportamento do usuário, estudando como os produtos mais envolventes do mundo mantêm os usuários sempre voltando. Neste sentido, os neurocientistas agora também são consultores de empresas. Outra palestra que assisti foi de Susan Weinschenk, doutora em ciência comportamental, com foco na aplicação de princípios da psicologia ao design e interações virtuais.

Se você tem uma empresa, provavelmente quer aprender como viciar seu consumidor para fazê-lo voltar e comprar seus produtos e serviços de forma habitual, destacando-se da concorrência. Por outro lado, foi exatamente isso que o Facebook, Whatsapp, Instagram, entre outros, fizeram com você.

 


PORQUE FICAMOS VICIADOS

A chupeta adulta

Basicamente, tendemos a ficar dependentes quando temos uma necessidade psicológica. Assim, nós sacamos o celular sempre que estamos entediados, nos sentimos um pouco solitários, não temos certeza do que fazer, ou não nos sentimos bem. Adam Alter diz que esses são os momentos em que você procura a sua “chupeta adulta”. Os smartphones tendem a ser uma ótima chupeta para adultos porque você liga a tela, desliza os dedos e se sente relaxado. É assim que as pessoas descrevem a experiência.

É por isso que você gasta muito do seu tempo voltando repetidamente para checar o email, Whatsapp, Facebook, Twitter, e assim por diante. Por um lado, essas mídias são um saco sem fundo, sempre há algo novo para consultar. Por outro lado, quando você posta um conteúdo, você fica curioso se as pessoas aprovam ou não. Assim, o que fazemos é voltar compulsivamente para ver se estamos recebendo o feedback positivo que buscamos.

Muito do que fazemos quando publicamos algo é testar as “águas sociais”, perceber se as pessoas veem o mundo da mesma forma que nós e se elas nos aprovam. A aprovação social é realmente importante, mas estamos dispostos a receber um feedback negativo, pois a pior coisa que pode acontecer a um humano é ser ignorado. Agora que temos acesso a bilhões de pessoas no mundo o tempo todo, tudo se torna ainda mais viciante. Sempre poderemos obter o feedback que desejamos.

A explicação química

Trevor Haynes, pesquisador do Departamento de Neurobiologia da Harvard Medical School, diz que plataformas como Facebook e Instagram utilizam o mesmo circuito neural usado por máquinas caça-níqueis e cocaína para manter os usuários usando seus produtos o máximo possível. No artigo Dopamine, smartphones & you: a battle for your time (em tradução livre: Dopamina, smartphones e você: a batalha pelo seu tempo), Haynes sugere que conhecer mais sobre a ciência pode fazer você pausar na próxima vez que sentir seu zumbido no bolso.

Se você já perdeu o celular, pode ter passado por um leve estado de pânico até ser encontrado. Cerca de 73% das pessoas afirmam experimentar esse sabor de ansiedade. A maioria de nós se tornou tão intimamente ligada a nossas vidas digitais que às vezes sentimos nossos telefones vibrar nos bolsos quando eles não estão lá. Estudos mostram a forte ligação entre o uso do smartphone e níveis aumentados de ansiedade, depressão e má qualidade do sono.

Muitos de nós gostaríamos de passar menos tempo em nossos telefones, mas achamos incrivelmente difícil desconectá-los. Por que eles são tão difíceis de ignorar?

A dopamina e a recompensa social

Produzida pelos nossos cérebros, a dopamina é uma substância química que desempenha um papel protagonista na formação de comportamentos. Ela é liberada quando damos uma mordida numa comida deliciosa, quando fazemos sexo, depois do exercício e, mais importante, quando temos interações sociais bem-sucedidas. Em um contexto evolutivo, ela nos recompensa por comportamentos benéficos e nos motiva a repeti-los.

O cérebro humano contém uma série de conexões que atuam como “caminhos” para mensagens químicas chamadas neurotransmissores. Esses caminhos se ativam quando antecipam ou experimentam eventos recompensadores. Em particular, eles reforçam a associação entre o comportamento e a recompensa de se sentir bem.

Embora não seja tão intenso quanto o consumo de cocaína, os estímulos sociais positivos resultam, de maneira semelhante, em uma liberação de dopamina, reforçando qualquer comportamento que o precedeu. Toda vez que isso ocorre, essas associações se tornam mais fortes por meio de um processo chamado potenciação de longo prazo, reforçando as conexões entre os neurônios.

Assim, os smartphones fornecem uma oferta virtualmente ilimitada de estímulos sociais, tanto positivos quanto negativos. Cada notificação, seja uma mensagem de texto, um like no Instagram ou Facebook, tem o potencial de ser um estímulo social positivo e liberar o fluxo de dopamina.


AS ESTRATÉGIAS DAS EMPRESAS

Explorando propositadamente a dopamina

Como a maioria das plataformas de mídia social são gratuitas, elas dependem da receita dos anunciantes para ter lucro. Esse sistema criou uma corrida armamentista pela atenção e pelo tempo. Os vencedores desta corrida serão aqueles que melhor usarem o seu produto para explorar os recursos dos sistemas de recompensa do cérebro. As empresas usam basicamente duas estratégias.

A primeira é uma característica dos nossos neurônios de dopamina chamada “recompensa de erro de previsão”. Esse recurso neurológico é algo que os donos de cassinos usaram como vantagem por anos. Se você já jogou caça-níqueis, terá experimentado a antecipação intensa enquanto as rodas estão girando: os momentos entre a alavanca e o resultado proporcionam tempo suficiente para que os neurônios dopaminérgicos aumentem sua atividade, criando uma sensação gratificante apenas ao assistir. Não seria divertido em contrário.

Mas, à medida que os resultados negativos se acumulam, a perda da atividade da dopamina nos estimula a desengajar. Assim, um equilíbrio entre resultados positivos e negativos deve ser mantido a fim de manter nossos cérebros envolvidos. Assim, entra em ação a segunda estratégia, que são as “recompensas variáveis”. Recompensas inesperadas aumentam a atividade dos neurônios, atuando como feedback positivo para as regiões cerebrais associadas ao comportamento anterior. À medida que o aprendizado ocorre, uma recompensa esperada não tem efeito adicional.

Trevor explica que os programas de recompensa variável foram introduzidos pelo psicólogo B.F. Skinner na década de 1930. Em seus experimentos, ele descobriu que os ratos respondem com mais frequência a estímulos associados à recompensa quando ela é administrada após um número variável de respostas, impedindo a capacidade do animal de prever quando seriam recompensados.

Humanos não são diferentes. Se percebermos que uma recompensa é entregue aleatoriamente, e se a verificação da recompensa tiver um custo baixo (como pegar o celular do bolso), acabamos por faze-lo habitualmente. Se você prestar atenção, você pega seu telefone ao menor sentimento de tédio, puramente por hábito. Os programadores de software trabalham muito atrás das telas para manter você fazendo exatamente isso. Semelhante a caça-níqueis, muitos aplicativos implementam um padrão de recompensas otimizado para mantê-lo envolvido o máximo possível.

A batalha pelo seu tempo

Se você já é usuário do Facebook há alguns anos, provavelmente percebeu que o site expandiu seus critérios de notificações. Quando você entra pela primeira vez, seu centro de notificações baseia-se no conjunto inicial de conexões, criando um elo crucial entre a notificação e a recompensa social. Mas à medida que você usa mais e começa a interagir com vários grupos, as notificações também se tornam mais ativas. Depois de um tempo, você poderá abrir o aplicativo a qualquer momento e esperar que seja recompensado. Quando combinado com o baixo custo de checar seu telefone, você tem um forte incentivo para fazer o check-in sempre que puder.

Outros exemplos destacam um esforço mais deliberado de monopolizar seu tempo. Segundo o jornalista Anderson Cooper, no artigo What is brain hacking? Tech insiders on why you should care (tradução livre: Por dentro do cérebro: detalhes técnicos que você deveria se preocupar), o Instagram possui um programa de recompensas de taxa variável. Os algoritmos de notificação às vezes retêm “curtidas” em suas fotos para entregá-los em rajadas maiores. Então, quando você fizer o seu post, você pode se decepcionar ao encontrar menos respostas do que você esperava, apenas para recebê-las em um grupo maior mais tarde.

Haynes analisa que seus centros de dopamina foram preparados por esses resultados negativos iniciais para responder de forma robusta ao súbito fluxo de avaliação social posterior. Esse uso de programa de recompensas variáveis tira proveito do nosso desejo de validação social e otimiza o equilíbrio entre os sinais de feedback negativos e positivos até que nos tornamos usuários habituais.

Na mesma reportagem, Tristan Harris, pesquisador e designer, diz que um smartphone com mídias sociais é, na verdade, uma máquina caça-níqueis. Acessar o telefone é o equivalente a puxar a alavanca para ver se receber algo e ganhar uma recompensa. Essa é uma maneira de sequestrar a mente das pessoas e criar um hábito. Essa técnica de design pode ser incorporada a vários produtos.


COMO EVITAR O VÍCIO

Questione seus hábitos

Smartphones e aplicativos de mídia social não vão a lugar nenhum, então cabe a nós decidirmos quanto do nosso tempo queremos dedicar a eles. A menos que o modelo de lucro baseado em propagandas mude, empresas como o Facebook continuarão a fazer tudo o que puderem para manter seus olhos colados na tela sempre que possível. Mas se você quiser gastar menos tempo com seu telefone, há várias estratégias para alcançar o sucesso.

O site do Center of Humane Technology possui uma série de dicas. Selecionei a seguir três delas para reduzir a capacidade do seu telefone de atrair e reter sua atenção.

• Primeiro, desative todas as notificações, exceto as de mensagens de texto de alguma pessoa. A maioria das notificações é gerada por máquinas, não por pessoas reais. Eles mantêm nossos telefones vibrando para nos atrair de volta para aplicativos nos quais realmente não precisamos estar. Desative todas as notificações e banners, exceto em aplicativos em que pessoas reais querem sua atenção, por exemplo, aplicativos de mensagens como WhatsApp, Messenger, etc.

• Segundo, utilize a escala de cor cinza. Notificações aparecem em pontos vermelhos porque o vermelho é uma cor de gatilho que instantaneamente chama a nossa atenção. Ícones coloridos dão aos nossos cérebros recompensas brilhantes toda vez que desbloqueamos. Defina o seu telefone para tons de cinza para remover os reforços positivos. Isso ajuda muitas pessoas a verificar menos o telefone.

• Terceiro, carregue seu dispositivo fora do quarto de dormir. Obtenha um despertador separado no seu quarto e carregue seu telefone em outro ambiente. Dessa forma, você pode acordar sem ser sugado pelo telefone antes mesmo de sair da cama.

Acima de tudo, o uso consciente da tecnologia é a melhor ferramenta que você tem. Então, da próxima vez que você pegar seu telefone para verificar o Facebook, você pode se perguntar: “Isso realmente vale o meu tempo?”

As vantagens em não fazer nada

No início deste artigo, comentei sobre nossa preferência em fazer uma atividade intencional, como checar email, Whatsapp e Facebook a cada momento de transição entre reuniões ou numa fila do elevador. Isso nos dá uma sensação de controle, com resultados garantidos e gratificantes. Também citei que não fazer nada durante esses momentos de inatividade parece menos intencional, uma atividade sem foco e sem resultados claros, e com poucas vantagens em não fazer nada.

Mas, tente… E se você esperar alguns minutos para verificar suas mensagens? Você poderia deixar de pegar o seu telefone e, por um momento, olhar em volta e apenas observar e pensar? Que diferença isso faz?

Scott Belsky argumenta que reservar um tempo para experimentar o outro lado da atividade intencional é crucial para o bem-estar e desempenho das mentes criativas. Desvincule-se do “fluxo de comunicação” e conecte-se verdadeiramente no agora. Quando desligamos um tipo de estímulo, desencadeamos outro.

Quando você vive o presente e diminui a estimulação externa constante, sua mente pode não saber o que fazer consigo mesma. Mas com o tempo, sua criatividade e imaginação atingem um novo padrão. Quando você sintoniza o momento, começa a reconhecer o mundo ao seu redor.

Neste sentido, Pico Iyer, no vídeo A arte da quietude, aborda a importância de ficar mais quieto e ir a lugar nenhum. Segundo ele, quando diz “ir a lugar nenhum” não quer dizer nada mais do que tirar alguns minutos para ter um pouco de tempo suficiente para descobrir o que mais o motiva e relembrar onde está sua felicidade verdadeira.

Certa vez, Pico pegou um avião em Frankfurt, uma jovem alemã sentou-se ao seu lado e tiveram um papo amigável por cerca de 30 minutos, até que ela simplesmente se virou e ficou quieta por 12 horas. Ela não ligou sua telinha nem uma só vez, nem pegou um livro, nem sequer dormiu um pouco. Ela só ficou quieta, e Pico sentiu que sua clareza e calma foram transferidas para ele.

Ele conclui que, numa era de aceleração, nada pode ser mais emocionante do que ir devagar. Numa era de distração, nada é mais luxuoso do que prestar atenção. Numa era de movimento constante, nada é tão urgente quanto parar um pouco.

Perceba que este não é um artigo sobre meditação, mindfullness, silêncio e solidão. É apenas um artigo sobre os perigos de uma atividade viciante que gera uma satisfação imediata devido a dopamina, mas não agrega muito valor na sua vida a longo prazo. Você não precisa virar um monge, apenas basta diminuir um pouco o apego ao smartphone e prestar atenção a sua volta.

Fique aberto à serendipidade

Belsky lembra que encontros aleatórios também podem fornecer enormes benefícios para sua vida. Às vezes, o maior valor de uma experiência está além da experiência em si. Os principais benefícios de uma conferência geralmente não têm nada a ver com o que o palestrante diz no palco. Ser amigável enquanto estiver na fila para tomar café em uma conferência pode levar a uma conversa e ao primeiro investimento em sua empresa alguns meses depois. Certamente isso é melhor do que ficar isolado contando quantos likes você ganhou por ter postado uma foto do churrasco.

A verdadeira recompensa de uma ida ao salão de beleza pode ser mais do que a manicure. A pessoa sentada ao seu lado pode acabar se tornar o seu maior cliente. Melhor do que ficar dando likes ao seu amigo em férias. Ou, dois estranhos sentados em uma padaria trocando histórias sobre suas vidas podem se conhecer melhor e levar ao casamento.

Muitas criações científicas, artísticas e empresariais são produtos da serendipidade. É claro que essas oportunidades ao acaso devem ser percebidas para que elas tenham algum valor. Isso nos faz pensar o quanto as perdemos regularmente se não estivermos atentos. À medida que pulamos aos nossos dispositivos a cada momento, deixamos o incrível potencial de serendipidade passar por nós.

Quando você valoriza o poder da serendipidade, começa a notar imediatamente o que está acontecendo. Tente deixar o smartphone no bolso na próxima vez que estiver na fila ou na multidão. Observe uma fonte de valor inesperado em todas as ocasiões. Desenvolva a disciplina para permitir a serendipidade.

Incube a ideia

Daniel Goleman, no livro O espírito criativo, pergunta ao leitor: isto já aconteceu com você? Você saiu para correr, está completamente descontraído, com o espírito tranquilo. Eis que de súbito, ocorre-lhe a solução de um problema que vinha remoendo há dias ou semanas. Você, então, pergunta: por que não pensou naquilo antes? Cientificamente, isso não acontece quando você fica checando o celular.

Na biografia de Albert Einstein, consta que tudo se encaixou na sua cabeça sobre a teoria da relatividade quando estava passeando e olhou para relógio da praça. Naquele momento ele montou as ideias sobre tempo e espaço com a analogia de um trem em movimento. Assista a série Gênios: a história de Einstein, no canal da National Geographic. Lá você encontrará vários outros exemplos semelhantes, como o “Eureka” de Arquimedes. Momentos como esses são relatados desde os cientistas gregos até empresários como Bill Gates e Steve Jobs.

 

O próprio filme sobre Facebook (A rede social) mostra cenas de Zuckemberg em momentos de serendipidade. Ele não estava dando likes no celular quando teve algumas ideias. Ironicamente, ele criou uma das plataformas mais viciantes que sequestram sua atenção e diminuem sua criatividade.

Para você entender melhor o processo criativo, Goleman explica que aquela fagulha de inspiração no momento da corrida, aquele instante em que você resolveu um problema que vinha torturando há semanas, é o ponto final de um processo composto por quatro etapas distintas.

A primeira etapa é a preparação, quando você mergulha no problema e investiga qualquer dado que possa ser relevante. Então, sua imaginação voa livremente e você se abre para tudo que, mesmo de modo vago, diz respeito ao problema. A ideia é reunir uma ampla série de dados, de modo que elementos inusitados e improváveis comecem a justapor-se por si mesmos. Aqui, é absolutamente necessário ser receptivo e saber ouvir.

Depois de examinar minuciosamente todas as peças relevantes e forçar a mente ao máximo, você poderá deixar o problema “cozinhar em fogo brando”. Essa é a etapa da incubação, quando você digere aquilo que reuniu. Se a preparação exige trabalho ativo, a incubação é mais passiva: boa parte do que acontece, fora de sua consciência atenta, no inconsciente. Como se diz, você “dorme sobre o problema”. Não devemos subestimar o poder da mente inconsciente.

A terceira etapa é o devaneio. Ficamos mais receptivos às sugestões da mente inconsciente nos momentos de devaneio, quando não estamos pensando em nada em particular. A imersão e o devaneio conduzem à quarta etapa, chamada iluminação, quando, de repente, a resposta surge como que do nada. É o momento longamente desejado e perseguido, a sensação do “é isto!”

Na minha opinião, seria muito mais gostoso e viciante a sensação do “é isto!” do que a sensação “quantos likes eu ganhei”. O problema é que, como vimos, para algo ser viciante é preciso que ele tenha um efeito de curto prazo, fácil de fazer, a ponto de virar habitual, com uma correlação direta do comportamento e recompensa. Uma pena.

Conclusão: priorize estar presente

O desafio nos dias de hoje é manter o foco e conseguir os requisitos necessários para a mente criar e causar impacto naquilo que é mais importante para você. Isso só pode acontecer quando você potencializa o “aqui e agora”. Para fazer isso, Beslky sugere que você alterne os períodos de conexão com períodos de estar realmente presente. São cinco dicas:

• Primeiro, esteja ciente do custo da conexão constante. Se seu foco é sempre nos outros – e saciar seu apetite por informação e validação externa – você perderá a oportunidade de explorar o potencial de sua própria mente.
• Segundo, reconheça quando você está sintonizando o fluxo pelas razões erradas. Muitas vezes olhamos para os nossos dispositivos para uma sensação de segurança. Torne-se mais consciente da insegurança que o afasta do presente.
• Terceiro, crie janelas de não estimulação no seu dia. Torne este momento sagrado e use-o para se concentrar em uma lista separada de duas ou três coisas que são importantes para você a longo prazo. Use esse tempo para pensar, digerir o que você aprendeu e planejar.
• Quarto, ouça sua intuição tanto quanto você ouve os outros. Com todas as novas fontes de comunicação e amplificação, não se deixe persuadir pelo volume das massas. Nada deve ressoar mais alto que sua própria intuição.
• Quinto, fique aberto para as possibilidades de serendipidade. As conexões mais importantes – seja com pessoas, ideias ou erros que levam a realizações importantes – geralmente surgem de circunstâncias inesperadas.

Por estar totalmente presente onde você está, você deixa o acaso trabalhar sua mágica. Qualquer que seja o futuro da tecnologia, os maiores líderes serão os mais capazes de se sintonizar e aproveitar todo o poder de suas próprias mentes.


PRÓXIMO PASSO?

Neste artigo abordei que o uso de tecnologia e superconexão com emails, Whatsapp e Facebook é viciante demais. Você é sequestrado pela dopamina, com comportamentos habituais e recompensas de curto prazo, mas com efeitos ruins a longo prazo, como qualquer vício. Pior ainda, um dos principais efeitos nocivos é impedi-lo de viver o presente, deixar passar oportunidades de convívio e não ter ideias criativas.

Embora tenho pesquisado e escrito tudo isso, considero-me uma pessoa normal como o leitor, ou seja, também caio em todas as armadilhas comentadas. Sou viciado ao smartphone para checar a todo momento as mensagens de texto, emails e mídia sociais. Confiro entre reuniões e esperando o elevador, e até acabo deixando de cumprimentar colegas, o que não me orgulho.

Mas acredito que conhecer a ciência por trás de tudo isso aumenta a consciência para conseguir balancear os dois mundos. A solução será sempre se policiar e viver um presente menos imediatista e deixar a dopamina e seu caça-níqueis de lado.

A ironia é que, apesar de todo esse manifesto para que você seja menos viciado ao smartphone para viver sua vida, confesso que eu ficarei irritado quando te mandar uma mensagem e você demorar para responder, principalmente ao argumentar que leu esse artigo e decidiu colocar o telefone ao lado. (Risos) Pois é, o ser humano é incoerente. Essa é a minha, a sua e a nossa batalha.

 


REFERÊNCIAS
1. SCOTT BELSKY. Artigo: Tuning in to you. Livro: Manage your day-to-day. Amazon Publishing, 2013
2. ADAM ALTER. Video: The Internet is heroin and your Smartphone is the needle. Bigthink. 2017. http://bigthink.com/videos/adam-alter-digital-addiction-how-half-the-world-got-hooked-online
3. TREVOR HAYNES. Artigo: Dopamine, smartphones & you: a battle for your time. SITN Harvard University. 2018. http://sitn.hms.harvard.edu/flash/2018/dopamine-smartphones-battle-time/
4. ANDERSON COOPER. Artigo: What is brain hacking? Tech insiders on why you should care. CBS News. 2017. https://www.cbsnews.com/news/brain-hacking-tech-insiders-60-minutes/
5. CENTER OF HUMANE TECHNOLOGY. Artigo: Take control of your phone. http://humanetech.com/take-control/
6. PICO IYER. Vídeo: A arte da quietude. TEDTalks. 2014. https://www.ted.com/talks/pico_iyer_the_art_of_stillness?language=pt-br
7. DANIEL GOLEMAN. Livro: O espírito criativo. Editora Cultrix, 1992
8. NATIONAL GEOGRAPHIC. Genius: Life of Einstein. Season 1. http://channel.nationalgeographic.com/genius/

FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da USP, possui pós-graduação na FGV e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos EUA. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços.
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