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 por Fernando Barrichelo

O que deu errado com o bolo instantâneo?

  
No mundo dos negócios, há vários casos de fracasso que aconteceram porque as empresas não entenderam realmente o que os consumidores queriam, tampouco criaram internamente um ambiente de discussão entre os funcionários. Um dos casos emblemáticos é o do bolo instantâneo, que vendia praticidade. Era só aquecer e comer. Mas o que saiu errado nessa história?

Em seu livro Finding Betty Crocker, a escritora Susan Marks relata o episódio. Em 1947, após quatro anos de pesquisa e desenvolvimento sobre bolos instantâneos, a General Mills lançou a campanha “Apenas adicione água e misture” para vender os novos bolos Betty Crocker. A premissa mercadológica era oferecer “bolo fresco feito em casa” com muita conveniência, ou seja, rápido e com pouco esforço. Todos os ingredientes em pó estavam dentro da caixa. A propaganda dizia que a única coisa que o consumidor precisava fazer, no lugar de comprar farinha, ovo, leite, óleo e frutas, era colocar o pó numa vasilha e misturar com água. [VER NOTA 1]

O bolo até vendeu um pouco, mas comparado com o sucesso anterior da empresa, uma panqueca, foi um verdadeiro fracasso. Por que o bolo não deu certo? Para descobrir, a empresa fez uma pesquisa de mercado – até chamaram psicólogos para entender o que estava acontecendo na mente dos consumidores. No fim, eles perceberam que o problema eram os ovos. Os psicólogos achavam que o “ovo em pó” deveria ser deixado de lado, para então as mulheres adicionarem “ovos frescos” na tigela, dando a elas o senso de contribuição criativa. Eles acreditavam que a arte de fazer bolo envolvia um ato de amor por parte das mulheres; um bolo em pó que apenas precisasse de água diminuía isso.

A General Mills decidiu, então, retirar o ovo em pó. Imediatamente as vendas foram um sucesso. O ato de preparar um bolo, por vezes, é um evento de confraternização que envolve mais carinho (incluindo amigos e familiares ao redor da cozinha) do que um bolo absolutamente instantâneo pode oferecer. A partir daí, a empresa mudou o slogan de “Just add water and mix” para “Betty Crocker Cake Mixes bring you that special homemade goodness… BECAUSE YOU ADD THE EGGS YOURSELF”.

 

O caso da Coca-Cola

Caso semelhante é relatado por Christian Morel, no livro Erros Radicais e Decisões Absurdas. Ele conta que, em certo momento na história, a Coca-Cola decidiu modificar o gosto de sua célebre bebida. Quando os diretores da Coca-Cola se sentaram na sala de reuniões para decidir o lançamento da nova fórmula, cada um encontrou diante de si um copo cheio com a bebida tradicional e outro copo cheio com a nova fórmula. [VER NOTA 2]

Segundo David Greising, o biógrafo de Roberto Goizueta, CEO da empresa, a maioria dos participantes se mostrou cética quanto ao novo gosto. Mas eles não manifestaram seu desacordo, e Goizueta foi incapaz de perceber. A reação foi polida e o novo produto foi adotado. O resultado foi uma grande rejeição do público.

 

O que podemos fazer diferente

Perceba que há duas mensagens importantes nessas histórias. Primeiro, você precisa entender a mente do seu consumidor antes de oferecer seu produto ou serviço. Seja por pesquisa de mercado, grupos focais ou simplesmente conversando com ele. A velha e boa receita de “conheça seu cliente” nunca foi tão verdadeira.

Os executivos da General Mills assumiram que os consumidores queriam conveniência. Os engenheiros químicos conseguiram uma fórmula para o “bolo perfeito”, com todos os ingredientes em pó sem comprometer o gosto. Entretanto, o consumidor preferia um “bolo imperfeito” para justamente contribuir na cozinha, colocar seus próprios ovos frescos e praticar um ato de amor. Um bolo de sobremesa para quem quer conversar não está na mesma categoria que uma panqueca instantânea para quem está com pressa.

A segunda mensagem é incentivar a discussão interna para também ouvir os funcionários; caso contrário, decisões são tomadas equivocadamente como na Coca-Cola. Segundo o biógrafo, apesar dos diretores não gostarem da nova fórmula, ficaram quietos e omissos. O silêncio das pessoas que estão em desacordo com uma decisão é um fenômeno muito frequente. Christian Morel chamou isso no seu livro de o Silêncio sobre os Desacordos.

Muitos imaginam que o silêncio em geral serve para não contrariar o chefe. Mas nem sempre. Pode existir a crença de que a repetição da mensagem de alerta é inútil e percebida como agressividade. Outras pessoas não se sentem autorizadas a falar se não se têm profundo conhecimento sobre o problema ou não fazem parte do departamento em questão. Ainda pode existir a vontade de não ser o portador do ataque à coesão do grupo. Os opositores ficam em silêncio para não enfraquecer os demais e para não se autoexcluírem. É melhor ir junto em direção ao absurdo do que ficar sozinho.

Você pode imaginar que isso acontece apenas nos livros, mas, na minha vivência executiva, é muito comum. Por isso, tento sempre me policiar para não entrar nessas duas armadilhas. Por mais difícil que seja mergulhar nas profundezas psicológicas do consumidor, ignorá-lo nunca é a melhor opção. Precisamos ser humildes para não achar que sabemos mais do que o cliente. Lembro que essa tarefa não é apenas das áreas de marketing, comercial ou de produtos e, sim, de toda a organização alinhada ao cliente. Nesse sentido, todos os colaboradores podem ser protagonistas de soluções; para tal, precisamos criar um ambiente em que todos se manifestem e criem juntos o que o cliente quer, e não o que eles querem que os clientes queiram.

 


NOTAS:
[ 1 ] MARKS, S. Finding Betty Crocker. Univ Of Minnesota Press, 2007
[ 2 ] MOREL, C. Erros radicais e decisões absurdas. Editora Elsevier, 2003
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