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 por Fernando Barrichelo

Usando a assertividade no ambiente competitivo

Não há um único dia em que alguém não comente “não aguento mais o mundo corporativo”. Geralmente são comentários sobre excesso de trabalho, burocracias, decisões controversas e, principalmente, disputas pessoais.

Reclamar pode ajudá-lo a desestressar, mas do ponto de vista de mudança prática, é o mesmo que reclamar “da sociedade” por algum comportamento não recomendado. Você não vai mudar as pessoas de forma substancial, tampouco o mundo e o sistema capitalista. Talvez você precise encará-lo de frente. O diálogo abaixo coloca o tema em discussão. Você concorda com Francisco, Marina, os dois ou nenhum?


Reclamei bastante ao Francisco e pedi conselhos. Ele me olhou com calma e perguntou: posso ser sincero? Arrepiei. O politicamente correto é dizer “sim, claro”, afinal somos adultos e encaramos qualquer verdade. Entretanto, no meu interior, eu não queria ouvir nenhuma sinceridade que contrariasse as minhas crenças e meu status quo. Isso doí. Mas concordei… Ele disse.

Marina, entendo sua angústia. Você ficou incomodada porque Geraldo teve uma postura muito forte, defendendo uma linha de raciocínio diferente da sua. É claro que queremos uma empresa em perfeita harmonia, todos amiguinhos, mas infelizmente não é assim que ocorre: nem aqui, nem em outras empresas. Nem hoje, nem há cem anos. O ambiente corporativo é duro mesmo.

Se pensarmos bem, o que se espera essencialmente de um executivo? Uma possível lista de comportamentos esperados de um executivo poderia ser: (1) capacidade para assumir riscos, (2) visão de futuro, (3) capacidade de planejamento, (4) orientado a resultados, (5) habilidade em negociação, (6) energia e dinamismo, etc. Você concorda?

Concordo – respondi. Mas onde você quer chegar?

O meu ponto é que existe mais um tópico nesta lista de características desejáveis em um executivo: ser competitivo.

Agora, eu discordo – me antecipei. As empresas não querem uma pessoa competitiva. Vivemos elogiando a cooperação, trabalho em equipe, entre outros.

Francisco me olhou atentamente, se arrumou a cadeira, e continuou. Sim, é contraditório mesmo. Na prática, eu vejo as empresas incentivarem a competição através de algumas formas. Por exemplo:

  • Quando existe a avaliação de desempenho com curva forçada (com pool limitado de bônus) em que, para alguns ganharem mais, outros precisam ganhar menos.
  • Há poucas vagas gerenciais para muitos candidatos. Em cada dez gerentes, apenas um é promovido a diretor. Todos os gerentes sabem que vivem sendo observados, ou no dia a dia, ou nas rodadas de avaliação de talentos, reforçando a competição.
  • Os executivos possuem metas individuais. Dai eles pensam “eu quero vender antes e mais que meu colega” ou ainda “vou vender mesmo sem estoque; cada um com seus problemas, as demais áreas que se virem para entregar”.

Espere um minuto – interrompi. Você está confundindo as coisas. Uma coisa é existir um modelo de incentivos individuais, criado de forma errada sem considerar a visão do todo e sem metas compartilhadas. Outra coisa é incentivar deliberadamente a competição e incluir este comportamento na lista de características desejadas de um executivo.

Bem colocado, vamos evoluir no raciocínio. Talvez o comportamento desejado na lista não seja “competitivo” e sim “ambicioso”. E talvez a competição seja um subproduto indesejável do próprio sistema de incentivos. Entretanto, nos meus quarenta anos de mundo corporativo, após ler um século de ensinamentos sobre gestão moderna de empresas, consultorias e MBA, me diga quem resolveu esse dilema de forma efetiva? Não me parece que houve esforço dos grandes executivos. Na prática, é cômodo para eles deixarem assim, como se fosse uma característica desejavel a vocação para competir dentro deste sistema. O resultado é o mesmo: temos um modelo de gestão e quem se dá melhor é a pessoa competitiva.

Vou dar mais um exemplo sobre esse desejo, deliberado ou não. Perceba que alguns detalhes são subliminares. Imagino que até você já pediu aos seus colaboradores alguns comportamentos com frases e adjetivos fortes, como “faca nos dentes” e “sangue nos olhos”. Você não concorda com o “sistema competitivo”, mas você incentiva seu funcionário a se matar, bater a metas, ir com tudo, dar um jeito, afinal, se ele ganhar, você ganhar junto.

Você incentiva a ambição. A ambição, no limite, também induz a competição, uma espécie de força motriz para superar mais problemas que os demais. E é ai que começam todos os problemas, pois competir de verdade não é uma dessas coisas que se possa fazer suavemente, com muitas cautelas e sem incomodar ninguém. Ao contrário, competir a sério pressupõe atitudes que demandam altas doses de energia e alguns comportamentos colaterais, como agressividade, ocupação de espaço, disposição para incomodar, capacidade de se sobrepor aos outros e executar tarefas que outros não estejam executando. Pior ainda, essas características encorajam certas doses individualismo.

O que vemos até aqui são alguns efeitos inevitáveis. O modelo de gestão de incentivos de metas, a escassez de posicões numa hierarquia de cargos e salários e a super-valorização do executivo ambicioso – todos esses fatores induzem a competição, que por sua vez reflete em alguns outros comportamentos – justamente os que você está reclamando, como algumas cotoveladas.

Perceba Marina, que não estou defendendo os comportamentos. Estou fazendo uma análise mais serena de como chegamos até aqui. Não concordo com tudo, mas a realidade é essa. Ela é dura e cruel. O ambiente corporativo possui essas características. Você precisa ter consciência disso e parar com esse mimimi. É um jogo sério que você precisa jogar.

Mimimi? – retruquei. Não me ofenda. Não sou mimimi.

Olha, até agora, você apenas reclamou e choramingou que Geraldo foi isso e aquilo. Sabe a minha definição de mimimi? Mimimi é uma sensação de dodói sem uma justificativa adulta. Em outras palavras, mimimi é um desconforto que você não consegue articular, em palavras, de forma racional. Por isso, as “pessoas mimimis” apenas tem sensações, reclamam de forma confusa e não dialogam decentemente.

O que você quer eu eu faça? – repliquei. Como reagir quando estamos diante uma pessoa que é ambiciosa, intolerante, egoísta, rude, não escuta, não vê o todo, não colabora?

Acho que você está buscando uma resposta fazendo a pergunta errada. Posso refrasear a sua pergunta? Prefiro colocar da seguinte forma. Como reagir quando o outro “tem incentivos para competir” e “age diferente das suas expectativas”? Pense bem, você realmente acha errado lutar abertamente pelos próprios interesses, admitir ambições, obter benefícios, prestígio ou poder? Você não quer ganhar o seu bônus, ser promovida, aparecer para seu diretor, e tudo mais? Não é errado desejar essas coisas, o errado é a forma de agir. Talvez a questão não seja o QUE competir, e sim o COMO competir.

Mas deixa eu ver se entendi – respondi de forma contundente. O Geraldo é um idiota. Pedi seu conselho mas, no lugar de me ajudar ou apoiar, você me criticou por ficar reclamando como uma mimimi. Ainda, você acha que é legítimo competir e que, na busca pelos interesses, alguns comportamentos são inevitáveis efeitos colaterais, como ser assertivo e duro para conquistar espaço e dar cotoveladas. No fim, você diz que o ambiente empresarial é para fortes, e não para fracos. Correto? Grande amigo você… Isso não me ajuda em nada, parece que você está pedindo para eu ser conformista com as barbaridades e parar de reclamar.

Você capturou e resumiu bem o diagnóstico, mas errou a conclusão. Não pedi para você se conformar com as atitudes das pessoas ou mesmo passar a se comportar como elas. Apenas quero dizer que você precisa entender as dinâmicas comportamentais e corporativas para saber reagir corretamente, e com certeza não é apenas reclamando pelos corredores como uma vítima.

O que fazer, então?

Vou sugerir algumas reações possíveis para você lidar melhor o com tema. Entretanto, não é nenhuma das seguintes opções: (a) não é respondendo agressivamente e impulsivamente, partindo para o conflito direto e (b) não é fazendo mimimi e usando a personagem de coitadinha que não sabe conviver em ambientes mais inóspitos.

Entender as dinâmicas comportamentais e corporativas, antes de achar que o outro é psicótico, esquizofrênico ou doente mental, é reconhecer ele possui certos incentivos e objetivos a buscar, e que apenas provavelmente errou na FORMA de se expressar (ser grosso, por exemplo). Ficar ofuscada pela forma tira você do foco do real motivo da divergência de opinião. Uma vez sabendo qual é a real motivação para certos argumentos, você consegue partir para uma solução ou negociação.

É claro que o COMO atrapalha chegar no consenso do O QUE, apenas estou pedindo para não deixar uma coisa atrapalhar a outra. O antídoto contra “a forma dos Geraldos” é exatamente a palavra que você acabou de usar: assertividade. Entretanto, precisa ser a assertividade do modo correto. Você usou o termo assertivo como sinônimo de duro. Não, o significado de assertividade tem sido muito distorcido. Muitos entendem que ser assertivo é ter apenas uma comunicação objetiva, sentindo-se com o direito de dizer qualquer coisa, “doa a quem doer e custe a quem custar”. Existem pessoas que dizem tudo o que vem a cabeça e, quando repreendidos, respondem que “estou apenas sendo assertivo e transparente” como se fosse uma grande virtude. Mas não é bem assim.

O termo assertividade origina-se de asserção. Fazer asserções quer dizer afirmar ou declarar com firmeza. A postura assertiva se mantém no meio-termo entre os dois extremos inadequados, um por excesso (agressão) e outro por falta (submissão). Uma pessoa assertiva vence pela influência, atenção e negociação, oferecendo ao outro a opção pela cooperação. Não oferece retaliações e estimula a comunicação de mão dupla. O executivo assertivo possui alta autoestima, é determinado, possui empatia, é adaptável, possui autocontrole e inteligência emocional, tem tolerância à frustração, é sociável, entre outros.

Em resumo, você pode ser competitiva no sentido de ter ambição e lutar por seus interesses. Mas é óbvio que isso pode exige altas doses de energia para saber se posicionar com firmeza. Assim, quando um colega exagera nos comportamentos, a sua resposta deve incorporar a devida assertividade e inteligência emocional para enfrentá-lo sem mimimi. Não revide fora das regras de convivência, mas também não seja passiva e resmungona. Dói um pouco ser assertivo, objetivo, analisar o problema, pensar nas palavras, prever reações, mas vejo que é o melhor equilíbrio entre revidar de forma irracional e ficar lamuriando nos bastidores. Como comentei, ter conversas difíceis, claro, exige energia e disposição. Desenvolva suas técnicas adultas. Seja estratégica. Vai lá e enfrente.

Ok… – respondi – você tem um ponto. Agradeci os conselhos e fui conversar com o travesseiro. Nada como um tempo para refletir. A noite, aquelas palavras ficaram martelando na minha cabeça. Vai lá e enfrente. Seja estratégica. Desenvolva suas técnicas adultas.


REFERÊNCIAS

Esta narrativa é uma obra de ficção inventada pelo autor, iniciado com alguns insights dos livros abaixo, adaptando e incluindo elementos da própria experiência. A definição de “mimimi” é exclusiva do autor.
1. Jean Bertoli. Ser executivo – Um ideal? Uma religião? 2005, Ideias e Letras, pag 25.
2. Vera Martins. Seja Assertivo. 2005, Editora Campus, pag 21

FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.
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