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 por Fernando Barrichelo

Entendendo correlação e causalidade

Comer manteiga te deixa mais feliz? Recentemente li o artigo Countries with more butter have happier citizens (países com mais manteiga possuem cidadões mais felizes), de Frank Jacobs.

O autor mostra o gráfico abaixo, publicado originalmente no site Our World in Data. De acordo com este infográfico, existe uma clara ligação estatística entre os níveis de satisfação de vida relatados pelas próprias pessoas dos países (eixo vertical) e a oferta per capita de manteiga (eixo horizontal).

Como se percebe, um padrão curioso surge em todo o mundo. Haiti e outros países com baixa oferta de manteiga relatam baixa satisfação com a vida. O inverso é verdadeiro. Para países como a Alemanha, com alto consumo de manteiga, as pessoas relatam alta satisfação.

Pelos dados, o suprimento de manteiga e a satisfação com a vida estão ligados – mas por causalidade ou correlação? O autor não defende nenhum dos dois, apenas divulga o estudo. Por isso, comecei a pensar mais no assunto.

CORRELAÇÃO VERSUS CAUSALIDADE

Esta distinção é importante para analisar alguns fenômenos. Uma correlação é o relação que você observa entre duas variáveis. Enquanto causalidade e correlação podem existir ao mesmo tempo, correlação não significa causalidade. O artigo Correlation vs Causation: Understand the Difference for Your Business, de Archana Madhavan, demonstra bem a diferença com o seguinte exemplo.

Até o final do século 19, os cientistas e leigos acreditavam que os maus odores causavam doenças. Os doentes e os moribundos tendiam a cheirar desagradavelmente, de modo que os dois fenômenos estavam correlacionados.

Isso levou as autoridades de saúde pública a melhorar as condições higiênicas, como remover a água parada. Esse entendimento não foi totalmente desprovido de mérito. No entanto, foi somente em 1880 que a teoria dos germes foi aceita. Com isso, ficou claro que, embora odores e doenças ruins aparecessem juntos, ambos foram causados ​​por uma terceira variável, até então desconhecida – os organismos microscópicos que conhecemos como germes.

Correlações são freqüentemente confundidas com causalidade porque o senso comum parece ditar que uma causou a outra. Afinal, mau cheiro e doenças são desagradáveis ​​e sempre aparecem ao mesmo tempo e lugar. Mas você pode ter mau cheiro sem doença. Doenças podem ocorrer mesmo em lugares onde a água não está parada – como hospitais onde os cirurgiões não lavam as mãos.

Para provar a causalidade, você precisa encontrar uma relação direta entre as variáveis. Você precisa mostrar que um depende do outro, e não apenas que os dois parecem se mover em conjunto.

O artigo Using Lean Analytics Principles to Build a Strong Company, de Neil Patel, cita o autor Ben Yoskovitz (Lean Analytics Book) com uma das frases mais corretas e impactantes sobre o tema:

A correlação ajuda você a prever o futuro, pois fornece uma indicação do que vai acontecer. A causalidade permite mudar o futuro.

Assim, se você quer realmente mudar o futuro, você precisa conhecer e mudar a causa original. Ou seja, você tem que evitar a causa se quer evitar o fenômeno. Você precisa eliminar os germes, e não o odor, se quiser eliminar as doenças.

MANTEIGA VERSUS SATISFAÇÃO

A manteiga, como um derivado lácteo, possui uma proteína chamada caseína, substância que provoca sensação de bem estar. Procurei alguns artigos e vi que os benefícios da caseína são: promove a recuperação muscular, cresce a massa magra, ajuda a conter o apetite e melhora a qualidade do sono.

Assim, uma abundância de manteiga causa as pessoas mais felizes? Provavelmente não. Além disso, a manteiga possui pouca quantidade de caseína comparada com queijos e outros derivados. E se causalidade existir na direção contrária? Será que as pessoas são felizes por outro motivo, e então comem mais manteiga do que as pessoas tristes? Ainda, esta correlação é independente para qualquer país, seja rico ou pobre? Ou será que o consumo de manteiga está ligado a riqueza dos países, que por sua vez está ligado a felicidade das pessoas?

Sem forte evidência de que uma coisa causa a outra, provavelmente este é um típico caso de correlação. Assim, deve existir algum outro fator que influencia TANTO a satisfação COMO o maior consumo de manteiga – de forma que ambos sobem e descem juntos. Mas qual seria esse fator que simultaneamente causa felicidade E consumo de manteiga de forma correlata? Falta informação para concluirmos.

 

FELICIDADE CAUSA LUCRO?

O objetivo deste artigo não é dissecar a tese da manteiga. Minha intenção é dar um pouco mais de luz ao tema da correlação e causalidade para provocar conversas mais realistas e científicas no nosso cotidiano.

Há muitos estudos que afirmam que felicidade dos funcionários e lucratividade das empresas estão conectados. Se quiser se aprofundar mais, vale a ler o artigo Six Studies Showing Satisfied Employees Drive Business Results, de Andrew Chamberlain, no site Glassdoor Economic Research.

Ele apresenta 6 estudos científicos sérios que provam, com rigor estatístico, que “investir em uma força de trabalho engajada e inspirada também pode ser um sólido investimento financeiro para líderes empresariais”. Algumas frases destes seis estudos são:

  • O estudo revelou uma relação estatisticamente significativa entre a satisfação do empregado e desempenho da empresa.
  • Nossos resultados sugerem que a cultura corporativa, avaliada pelos funcionários, ajuda a prever o desempenho subsequente da empresa.
  • Há uma ligação clara entre avaliações mais positivas de funcionários e medidas de desempenho organizacional, incluindo margem operacional e receita por funcionário.
  • Os autores concluem que a avaliação dos empregados é um precioso indicador do crescimento das vendas e da lucratividade.

Entretanto, esses estudos se parecem mais com nosso caso da manteiga do que nossa história dos germes, odores e doença. Essas pesquisas mostram de forma estatística a boa correlação entres satisfação dos funcionários e desempenho da empresa, e não necessariamente uma relação de causa e efeito.

Vamos relembrar o exemplo anterior sobre os hospitais – mau cheiro causa doença? Mau cheiro e doenças são desagradáveis ​​e sempre aparecem ao mesmo tempo e lugar. Mas você pode ter mau cheiro sem doença. Doenças podem ocorrer mesmo em lugares onde a água não está parada – como hospitais onde os cirurgiões não lavam as mãos. No final, descobriu-se que os germes causam, simultaneamente, mau cheiro E doença.

Assim, com o mesmo raciocínio, pergunto – felicidade causa lucro? Analogamente, felicidade e lucro são agradáveis e sempre aparecem ao mesmo tempo e lugar. Mas há empresas lucrativas com funcionários infelizes. Também há ambientes de trabalho com colaboradores felizes cujas empresas tem prejuízos. Provavelmente existe algum outro fator que causa, simultaneamente, felicidade E lucratividade.

Quais os fatores que causariam, simultaneamente, felicidade E lucratividade? Veja se você concorda na seguinte hipótese: uma boa estratégia de mercado, um bom gerenciamento das vendas, produtos e operações e uma boa gestão de pessoas. Em resumo, um empresa bem administrada gera lucro E pessoas felizes.

Além de todos os dados estatísticos, acho ninguém discorda, intuitivamente, que existe uma correlação positiva entre satisfação dos colaboradores e performance da empresa. O que está em discussão é a causalidade.

POR QUE CAUSALIDADE É IMPORTANTE

Por que causalidade é mais importante que correlação? A resposta é simples: as correlações não resolvem nossa angústia sobre como controlar, mudar ou influenciar o futuro. Com dados estatísticos, as correlações nos ensinam a prever o futuro (performance, lucro) ao observar alguns indicativos, como os índices de satisfação dos funcionários. Mas só isso.

A pergunta deve ser outra. Basta promover a satisfação dos funcionários para que a empresa tenha performance melhor que as outras? Hoje vemos que a moda é focar em um ambiente de trabalho agradável (“transado”) com pebolim e video-game, permitir bermudas, oferecer bicicletário e promover o horário flexível. Esta tem sido uma das formas para aumentar engajamento.

Alguns elementos como os citados podem aumentar a satisfação (talvez apenas da geração do milênios, mas não vem ao caso), mas não acredito que esse tipo de felicidade alavanque uma forte correlação com desempenho financeiro da empresa. Note que os estudos citados não vincularam estatisticamente o fator “ambiente físico de trabalho” com lucratividade. O que os estudos fizeram foi mais simples: mediram a satisfação de milhares de funcionários de várias empresas (com novas perguntas ou usando métricas já existentes como o Great Place to Work) e compararam com os indicadores de performance das empresas (lucro, receita, valor das ações).

Os estudos não avaliaram a causa dos funcionários felizes. Como falamos, devem existir alguns fatores que causam satisfação e performance da empresa. Mesmo que a causa da performace fosse apenas a felicidade (causalidade única), qual é esse tipo de felicidade que gera performance (com certeza não é usar bermuda) e qual a causa que gera esse tipo de felicidade?

Essa é realmente a pergunta de ouro: qual a verdadeira causa que gera felicidade e lucratividade? Ninguém sabe precisamente. Se alguém soubesse esse fator único, essa regra de ouro já teria sido publicada e todas as empresas seriam felizes e lucrativas. Assim, se queremos prescrever regras de sucesso, precisamos ir além das correlações.

É difícil colocar a vida complexa em um gráfico simples com apenas duas dimensões de causa e efeito. A resposta talvez resida numa soma de fatores milenares (que já mencionei anteriormente): uma boa estratégia de mercado, disciplina e competência para execução, líderes tecnica e emocionalmente inteligentes, e funcionários treinados e pré-selecionados (numa analogia com uma boa culinária, bons ingredientes são o diferencial). A soma disso pode causar simultaneamente colaboradores felizes e uma empresa lucrativa (com uma correlação positiva).

CONCLUSÃO

Sabemos que vento não causa chuva. A causa da chuva é a evaporação da água, e posteriormente a condensação e precipitação. Mas geralmente observamos o vento antes de chover. Vento e chuva estão correlacionados, e isso ajuda na previsão da chuva. Começa a ventar, você deduz, vai chover.

Assim, para concluir, vamos relembrar uma frase do início do artigo:

A correlação ajuda você a prever o futuro, pois fornece uma indicação do que vai acontecer. A causalidade permite mudar o futuro.

Saber as correlações e indicativos de futuro não são mais suficientes nos dias de hoje. Você até sabe que satisfação está relacionada com performance (da mesma forma que sabe manteiga está ligada a satisfação). E dai? Como você vai usar essa informação?

Assim, se você quer realmente controlar (mudar, induzir) o futuro, você precisa conhecer e ter o poder de controlar a causalidade original. Você precisa eliminar os germes, e não o odor, se quiser eliminar as doenças. Você precisa gerar os fatores corretos e específicos que causam satisfação E lucro.

O grande problema é que não é fácil estabelecer claramente as relações de causa e efeito, até porque muitas vezes são múltiplos fatores. Entretanto, não é porque é difícil que devemos desistir do objetivo do entendimento, nem desistir de diferenciar a causalidade de correlação. Tenho duas dicas para você.

DICA 1: pense sempre de forma estruturada e científica o máximo que conseguir. Até para crianças podemos ensinar a pensar desta forma. Veja esse episódio do Mundo de Beakman que explica o que é o Método Científico de forma bem didática. Aliás, talvez o vídeo vá ajudá-lo você também, adulto, a entender a importância dos 5 elementos: definir o problema, criar hipóteses, fazer o experimento, comprovar/concluir e refazer as hipóteses.

DICA 2: confira os cursos mais modernos de analytics no mercado. Em um deles que cursei recentemente (Business Analytics: From Data To Insights, da Universidade de Wharton), você verá que existem três tipos de analytics – Descritivo, Preditivo e Prescritivo.

Se você quer descrever ou prever algo, contente-se com as correlações. Mas se você quer prescrever algo, você precisa de mais ciência para entender a causalidade. Caso contrário, toda essa conversa servirá apenas para estórias legais em um mesa de bar ou em palestras motivacionais com uma boa dose de teorias infundadas.

Incentivo você a tomar cuidado ao fazer ou escutar argumentos. Caso contrário, alguém vai te convencer, com um falso silogismo aristotélico, que:

  • Comer manteiga deixa as pessoas mais felizes
  • Felicidade dá lucro
  • Logo, comer manteiga dá lucro.

Pense bem.


REFERÊNCIAS
1. Countries with more butter have happier citizens, Frank Jacobs. https://bigthink.com/strange-maps/butter-and-happiness
2. Our World in Data. https://ourworldindata.org
3. Correlation vs Causation: Understand the Difference for Your Business, Archana Madhavan. https://amplitude.com/blog/2017/01/19/causation-correlation
4. Using Lean Analytics Principles to Build a Strong Company, de Neil Patel. https://neilpatel.com/blog/lean-analytics/
5. Why you should be taking Casein Protein, Marissa. Spade. https://tryabouttime.com/blogs/news-fitness/why-you-should-be-taking-casein-protein
6. Six Studies Showing Satisfied Employees Drive Business Results, Dr. Andrew Chamberlain. Glassdoor Economic Research. https://www.glassdoor.com/research/satisfied-employees-drive-business-results/
7. O que é Método Científico, no seriado de TV Mundo de Beakman. https://www.youtube.com/watch?v=q40uPdnyhp0

 


FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.
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