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 por Fernando Barrichelo

Busque a leitura para iluminação

 

Hoje em dia, na chamada era digital, o acesso à informação está muito mais fácil, à poucos cliques de distância. É provável que os jovens nascidos nesta geração não consigam imaginar a vida quando dependíamos de livros físicos em bibliotecas para conseguir fazer uma pesquisa. Atualmente existem inúmeros sites com toda informação possível, mecanismos de buscas sofisticados, além de mídias sociais com indicações dos leitores, sem contar com os milhões de livros impressos e e-books.

Se a quantidade é vasta e o acesso é facilitado, não podemos dizer o mesmo sobre o consumo da informação em si. Várias publicações mostram que o novo comportamento de leitura das pessoas está cada vez mais superficial.

No livro O Polímata, Peter Burke comenta que, apesar do conhecimento estar mais acessível, nem todas as mudanças recentes foram para melhor. As mídias sociais ajudam a divulgar artigos, livros e opiniões, mas precisamos estar atentos aos efeitos colaterais, a chamada ansiedade da informação. Esta ansiedade também me ataca. Na minha timeline, o excesso é tão grande que a minha tendência é ler rápido o post e partir para o próximo, como fosse um produto perecível e escasso que vai acabar. Ás vezes, quando clico no link e percebo um texto grande, eu “salvo para ler depois”, mas nunca volto…

Burke lembra que os e-books e textos online começaram a competir com o livro impresso, mas junto com isso também surgiu a competição entre dois tipos de leitura, a varredura rápida de informações em detrimento de uma leitura mais lenta. Com isso, há o perigo de nos tornarmos uma sociedade de decodificadores de informações, sem tempo para os pensamentos necessários transformar informações em conhecimento. Como Burke diz:

As novas mídias de comunicação produziram uma abundância excessiva de mensagens. O volume de novas informações e a velocidade com que chegam não permitem seu “cozimento“, ou seja, sua transformação em conhecimento.

 

A turbulência que estamos enfrentando dificulta o discernimento das consequências a longo prazo da transição dos livros e jornais impressos para as informações online. Wolf e Carr não são os únicos a temer que a leitura lenta, atenta, contínua e linear seja perdida, substituída pela verificação rápida.

 

Houve um tempo em que se ofereciam cursos de leitura rápida a alunos que estavam acostumados a ler um texto do começo ao fim. Hoje estão se faz necessário os cursos de leitura lenta.

Neste sentido, meu objetivo com esta publicação com textos mais longos (impressa ou e-book) é sugerir uma postura mais calma de leitura, sem a pressa de verificar o próximo post.

Mortimer Adler, em seu livro Como ler livros, muitos anos antes da era digital, em 1940, já abordava sobre o processo de aprendizado através da leitura e reforçava sobre a necessidade da leitura lenta e atenta. Adler defende que todo aprendizado genuíno é ativo, e não passivo. Nem mesmo o melhor professor pode nos ajudar a aprender qualquer coisa a não ser que, primeiro, nós mesmos nos esforcemos para aprender. A palavra escrita, na forma de livro ou artigos, pode funcionar como professor da mesma forma que a palavra falada. A arte de ler e a arte de ouvir são muito parecidas.

O ponto importante é que existem dois tipos de leitura — o de prazer/relaxamento e o de aprendizado. O primeiro todos nós o fazemos, aquela leitura despretensiosa para passar o tempo, distrair e entreter. Às vezes, o aprendizado acontece acidentalmente. Mas, justamente por não ser intencional, não podemos considerar qualquer regra para este aprendizado. O outro tipo leitura ocorre quando nossa intenção é aprender alguma coisa. Neste caso, Adler é enfático:

Não quero dar ao aprendizado um estímulo falso, repetindo o que algumas pessoas dizem: “o aprendizado é sempre divertido”. Não é sempre divertido. Ás vezes, o aprendizado é um trabalho duro. Na verdade, é frequentemente assim. E, na minha própria experiência, o que geralmente acontece é que quanto mais doloroso for o próprio processo de aprendizado, mais o resultado final tende a ser proveitoso.

Dentro da leitura de aprendizado, existem duas formas, uma mais fácil e uma mais difícil. A primeira forma, a mais fácil, é a leitura para a informação, quando sua meta é adquirir um conhecimento de fatos, como a busca de dados nos jornais, revistas e registros históricos. Conceitualmente, uma pessoa letrada significa uma pessoa que consegue fazer esse tipo de leitura. Esse não é um padrão alto de alfabetização, mas é o que queremos dizer quando falamos sobre uma “população alfabetizada”: pessoas que conseguem ler revistas ou jornais para informação.

Adler denomina do segundo tipo de leitura, o mais difícil e proveitoso, de leitura para iluminação, quando seu propósito não é conhecer os fatos, mas compreender as ideias e aumentar a compreensão.

Esse tipo de leitura é aquele texto que está um pouco além de suas capacidades. Se um livro está além de sua capacidade, você pode elevar-se de um estado de compreender menos para um estado de compreender mais. Mas não acontece por acaso. Você não pode se sentar e simplesmente esperar ser elevado por um livro acima da sua capacidade apenas olhando para ele. Você tem de se esforçar, se exercitar, pois o aprendizado exige uma leitura ativa, não passiva. Ele diz:

O que eu quero dizer com leitura ativa? Simplesmente isto: que você se mantenha acordado enquanto lê. E quando eu digo acordado, eu não quero dizer simplesmente para manter seus olhos abertos enquanto sua mente vai dormir. Como você se mantém acordado enquanto lê? Fazendo perguntas, questionando a si mesmo sobre o livro e fazendo perguntas ao livro para o autor responder.

 

A diferença entre a leitura passiva e a ativa é inconfundível. Os sinais jamais nos deixariam confundir sobre qual estamos falando: quando você lê ativamente, você realmente se cansa. Há um trabalho envolvido. Quando há um trabalho, em vez de diversão, você se cansa. Contudo, se você lê um livro por uma hora ou duas e não se cansa, então você não está lendo ativamente neste sentido. E há outros sinais de leitura ativa: lápis e papéis, anotações, marcações, sublinhar passagens nas páginas. Este é meu melhor teste para saber se você está lendo ativamente ou não.

Relembrando: perceba o contraste entre a leitura online de varredura rápida que está nos consumindo cada vez mais e a leitura de aprendizado e de iluminação, que ocorre quando lemos textos que estão além da nossa capacidade.

Por isso, controle a sua ansiedade da informação, aquele vício de apenas ler textos curtos e superficiais, ou aquela tendência de ler rápido ou “passar o olho” em um texto maior e mais elaborado. Alguém quis colocar na nossa cabeça que um grande leitor é aquele que tem leitura dinâmica e que lê milhões de palavras, artigos e livros. É preciso saber selecionar e se dedicar àquela leitura do momento. Sugiro, inclusive, pesquisar as fontes de referências que geralmente um bom artigo faz menção. Assim conseguiremos o melhor dos dois mundos: a era digital com acesso a informação ilimitada e o antigo e bom hábito de leitura de aprendizado. O importante é ler com calma e atento. O importante é refletir. Boa leitura.


REFERÊNCIAS

1. BURKE, P., O polímata: uma história cultural de Leonardo da Vinci a Susan Sontag. Editora Unesp. 2020.
2. ADLER, M., Como ler livros. Editora É Realizações. 2010.
3. ADLER, M., Como pensar sobre as grandes ideias. Editora É Realizações. 2013.
4. CARR, N.., A geração superficial: o que a internet está fazendo como nossos cérebros. Editora Agir. 2019.
5. WOLF, M., WOLF, M. Proust and the Squid: The story and science of the reading brain. Harper Perennial. 2008.

FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.

 

 

 

 

 

 

 

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