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 por Fernando Barrichelo

Os impactos do fechamento são muito mais altos

A revista The Economist (edição de 30/4) possui quatro ótimos artigos sobre os impactos do longo fechamento das escolas. Como os artigos online são fechados para assinantes e todos são longos, eu fiz uma tradução-resumo-junção-adaptação das quatro matérias dada a relevância do tema e trazê-lo a um público maior. Os links originais estão nas referências.

Em resumo:

  • Crianças precisam de educação intensiva em todas as disciplinas para cognição e formação do caráter
  • Aulas online não são bons substitutos às aulas físicas, especialmente para crianças menores
  • Nem todo mundo possui em casa as condições tecnlógicas para videoconferências
  • As crianças em casa impactam a produtividade dos pais e para quem precisa trabalhar fora
  • O dano é muito maior em famílias pobres pois os pais não sabem fazer uma correta supervisão das tarefas
  • Os países pobres sobrem mais, inclusive porque as escolas também servem como fonte de alimentação e outros cuidados
  • Estudos já mostraram que crianças são menos propensas a contrair o Covid-19
  • Novos estudos também mostram que as crianças não são grandes agentes transmissores para os adultos

Existem alternativas para uma reabertura das escolas com devidas etapas, regras e cuidados. A última coisa a fazer é manter as escolas simplesmente fechadas. Vale ler este resumo.


AS ESCOLAS DEVEM SER REABERTAS PRIMEIRO

Historicamente, mesmo durante guerras, fomes e tempestades, as escolas se esforçam para permanecerem abertas. Mas agora com o COVID-19, a extensão e a duração do fechamento são sem precedentes. Os custos são terríveis. A menos que termine logo, seu efeito sobre as mentes jovens pode ser devastador.

Durante algumas epidemias, manter as crianças em casa é sábio; elas são propagadores eficientes de uma gripe sazonal. No entanto, elas parecem menos propensas a pegar e transmitir o Covid-19. O fechamento de escolas pode trazer algum benefício em retardar a propagação, mas muito menos do que outras medidas. Contra isso, existem outros pesados custos para o desenvolvimento das crianças, para seus pais e para a economia, principalmente nas crianças mais necessitadas. Sem intervenções, os efeitos podem durar a vida toda.

Alguns países, como a Dinamarca, estão gradualmente reabrindo escolas. Outros, incluindo a Itália e EUA, dizem que não o farão até o outono, até mais. Isso é um erro. À medida que os países diminuem o distanciamento social, as escolas devem estar entre os primeiros lugares a serem desbloqueados.

IMPACTOS NO APRENDIZADO

Nos Estados Unidos, estudos mostram que alunos da terceira série (sete anos) afetados por fechamentos relacionados ao clima se saem pior nos exames estaduais. Estudantes belgas atingidos por uma greve de professores de dois meses em 1990 foram os mais propensos a repetir a série e menos propensos a concluir o ensino superior do que estudantes não afetados pela greve.

Segundo alguns estudos, durante as longas férias de verão, as crianças americanas perdem entre 20% e 50% das habilidades que adquiriram ao longo do ano letivo. De acordo com outra estimativa, as crianças de oito anos cujo aprendizado parou completamente com o bloqueio poderiam perder quase um ano de matemática, pois não aprendem novos materiais e esquecem muito do que já sabem.

AULAS ONLINE SÃO LIMITADAS

A videoconferência tem seus limites. Nenhuma recurso pode substituir os professores da vida real ou as habilidades sociais adquiridas no playground. Mesmo nos países mais bem preparados para o e-learning, como a Coréia do Sul, a escola virtual é pior que a física.

O fechamento prejudica mais as crianças menores. Você pode compensar a matemática perdida em aulas de verão, mas você não pode fazer isso com assuntos que as crianças aprendem muito jovens. Habilidades sociais e emocionais, como pensamento crítico, perseverança e autocontrole são preditores de muitas coisas, do sucesso acadêmico e emprego à boa saúde e a probabilidade de ir para a cadeia. Enquanto as crianças mais velhas podem ser colocadas na frente de um computador, as mais novas não, e precisam de mais supervisão de um adulto.

IMPACTOS NAS FAMÍLIAS POBRES É MAIOR

Em tempos normais, a escola ajuda a nivelar as diferenças. Sem ela, o hiato entre crianças ricas e crianças pobres aumentará.

Para crianças mais pobres, as conexões à internet podem ser difíceis. As aulas online são de pouca utilidade se sua casa não possui um bom Wi-Fi ou se você precisa lutar com três irmãos por um único computador. Os dispositivos precisam ser compartilhados e as casas ficam superlotadas e barulhentas. Nos EUA, uma em cada quatro não tem acesso a um computador em casa. Em outros países, é muito pior.

Na Grã-Bretanha, mais da metade dos alunos de escolas particulares participa de aulas on-line diárias, em comparação com apenas um em cada cinco crianças de escolas públicas. Nas primeiras semanas do bloqueio, algumas escolas americanas relataram que mais de um terço de seus alunos nem sequer haviam entrado no sistema escolar, muito menos frequentado as aulas.

Ainda, o maior problema não está na conexão da internet e quantidade de computadores, e sim na supervisão adulta. Embora as famílias mais ricas geralmente incluam pais que estimulam seus filhos a fazer a lição de casa, famílias mais pobres não. Crianças menos abastadas em todos os lugares têm menos probabilidade de ter pais bem-educados que os persuadem a frequentar aulas remotas e a ajudá-los em seu trabalho.

Nos países pobres, os custos são ainda maiores. As escolas costumam oferecer almoços grátis, evitando a desnutrição e servem como polos para vacinar crianças contra outras doenças. Em toda a África Ocidental, as lembranças da devastação causada pelo Ebola e o fechamento das escolas ainda são frescas. A educação para 5 milhões de crianças foi severamente interrompida. As crianças ficaram mais propensas a trabalhar. A exploração sexual aumentou. A gravidez não planejada entre adolescentes aumentou acentuadamente.

O fechamento de escolas reduziu muitos serviços essenciais, como programas de nutrição e saúde, informações sobre prevenção de doenças e acesso a água potável e saneamento. Segundo a Unicef, quase um milhão de crianças na Libéria não foram imunizadas naquele ano. Quando as escolas reabriram, muitos alunos não retornaram. Seus pais diziam: “não há mais necessidade de frequentar a escola”.

IMPACTOS NOS PAIS

A escola também é importante para os pais, especialmente aqueles com crianças pequenas. Quem trabalha em casa é menos produtivo se distraído com gemidos altos ou o silêncio que antecede a geleia que está sendo espalhada no sofá. Quem trabalha fora de casa não pode fazê-lo, a menos que alguém cuide de seus filhos. E como a maioria dos cuidados infantis é realizada pelas mães, elas perdem espaço no local de trabalho enquanto as escolas permanecem fechadas. Melhor reabrir as escolas, para que os pais possam ganhar e os filhos possam estudar.

MAS AS CRIANÇAS TRANSMITEM PARA OS PAIS, CERTO? NÃO.

Quando o Covid-19 começou a se espalhar em janeiro, todos os pais ficaram aterrorizados. A tréplica óbvia para não reabrir as escolas é dizer que fechar escolas traz benefícios. O Covid-19 pode ser mortal. Os pais não querem que seus filhos a peguem ou transmitam para a avó.

Mas, embora as crianças sejam altamente suscetíveis à gripe, com o Covid-19 é diferente. Crianças infectadas com o novo coronavírus tiveram sintomas leves ou nenhum, e as mortes foram raras, diz uma revisão de quase 80 estudos publicados em 22 de abril por uma rede internacional de especialistas em saúde infantil.

Dois estudos da China acabaram de ser publicados nas revistas Science e Lancet. Foram rastreados os contatos de pessoas infectadas descobriram que as crianças não têm mais probabilidade de contrair a doença do que os adultos – 2.000 vezes menos propensas do que alguém com mais de 60 anos.

Tampouco há evidências de que crianças sejam transmissores silenciosas para suas famílias. Pesquisadores que rastrearam cadeias de infecções na Islândia, Itália, Suécia e Holanda não encontraram NENHUM caso de crianças infectando suas famílias. Essas observações coincidem com os dados da China.

O Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, a agência de saúde pública da União Europeia, disse que a transmissão de criança para adulto “parece ser incomum”.

ASSIM, A SOLUÇÃO É REABRIR IMEDIATAMENTE EM ETAPAS

Quase todos esses estudos foram feitos quando as escolas foram fechadas; a maioria dos países as fecharam no início da pandemia. Alguns estudos recentes tentaram separar a contribuição das escolas – com resultados mistos. Mas até agora as crianças não parecem ser os super espalhadores como se temia.

As escolas devem, portanto, reabrir em etapas e com regras:

  • As crianças mais novas devem retornar primeiro às creches e escolas primárias. Elas têm os cérebros mais sedentos e parecem ser as de menor risco.
  • Elas também exigem o máximo de seus pais, uma vez que poucos compreendem os princípios do aprendizado autodirigido.
  • É improvável que crianças pequenas mantenham distância de alguém. Assim, as aulas devem ser divididas ao meio para que eles possam participar em dias alternados.
  • Aqueles que enfrentam exames devem ser os próximos. Vários países cancelaram testes importantes; outros os adiaram.
  • As vagas nas escolas precisarão ser monitoradas. Os cientistas devem ajustar as regras, se necessário. As crianças que precisam ficar em casa devem ser contatadas diretamente pela escola.
  • Os professores precisarão de apoio. Os mais vulneráveis à infecção, como os diabéticos, devem poder ensinar remotamente. O restante precisará de orientações sobre higiene e distanciamento social. Eles devem ser testados regularmente para o covid-19.

INICIATIVAS JÁ EM ANDAMENTO

Na escola primária Alan Turing, em Amsterdã, ficou claro rapidamente que 28 de seus 190 alunos não podiam participar de aulas on-line. A escola agora abre suas portas para 15 desse grupo três vezes por semana e encontrou outras maneiras de ajudar os 13 restantes.

Além de permitir que os alunos do segundo ano do ensino médio que estão passando por exames voltem às aulas, a Dinamarca também começou a reabrir creches e escolas primárias. Foram priorizados os mais jovens por várias razões. O estágio inicial da aprendizagem é crucial. O fardo que as crianças colocam nos pais é pesado. E o risco de crianças pequenas pegar ou espalhar o vírus parece baixo.

A França está pensando em reabrir escolas, mas tornar a participação voluntária. O problema dessa abordagem é que ela pode consolidar a desigualdade educacional. Uma pesquisa recente sugere que 48% das famílias abastadas mandariam seus filhos de volta; apenas 17% dos pobres o fariam. Nas Grã-Bretanha, mais de 500.000 crianças vulneráveis foram autorizadas a frequentar a escola, incluindo aquelas com necessidades especiais; apenas 5% apareceram.

Assim, a melhor abordagem seria aplicar as regras de presença com sensibilidade.

  • Insista em que a educação é obrigatória, mas não deixe os pais amedrontados à toa – especialmente se eles tiverem motivos adicionais para temer a infecção.
  • Quando as aulas retornarem, os pais verão que é seguro e terão a ideia de enviar seus próprios filhos.
  • Os governos devem ajudar as crianças a compensar as lições perdidas com escolas gratuitas de verão, férias mais curtas e dias mais longos.

No final, a única maneira de garantir que todas as crianças recebam educação é reabrir as portas. A reabertura pode parecer um experimento precipitado com vidas jovens. De fato, é um exercício de equilíbrio de riscos. Entretanto, as escolas são os motores mais poderosos da mobilidade social em qualquer sociedade. Deixe as crianças entrarem e deixe-as aprender.


REFERÊNCIAS

1. The Economist. When easing lockdowns, governments should open schools first. Edição de 30/04/2020 (Link)
2. The Economist. Closing schools for covid-19 does lifelong harm and widens inequality. Edição de 30/04/2020 (Link)
3. The Economist. The young seem to be less likely to catch or pass on covid-19. Edição de 30/04/2020 (Link)
4. The Economist. School closures: lessons from the Ebola pandemic. Edição de 30/04/2020 (Link)

FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.
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