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 por Fernando Barrichelo

Em prol de uma porção de 12 unidades

 

Neste carnaval, fomos em família ao restaurante FrangÓ, conhecido pelas deliciosas coxinhas.

Pedimos uma porção de 10 unidades. Como estávamos em quatro (eu, esposa e os dois pequenos, pois a mais velha está viajando) a divisão de dez unidades é imperfeita. Assim, dois comeram 3 unidades e dois comeram 2 unidades.

Imediatamente ensinei as crianças que bom seria se a porção tivesse 12 unidades pois seriam 3 cada um. Aliás, o número 12 é melhor múltiplo do que 10 para porções. Afinal, 12 é múltiplo de 2, 3, 4 e 6. O 10 é múltiplo apenas de 2 e 5. Ou seja, uma porção com uma dúzia abrange mais combinações de grupos e famílias do que uma dezena. Atenção restaurantes!

Isso parece papo de nerd, e é. A matemática está em todo lugar. Eis que na mesma semana eu releio um livro antigo de Isaac Azimov (“Antologias 1”). Em um dos ensaios, ele discorre sobre o uso do sistema decimal (o que usamos para fazer contas atualmente, com o chamado Base 10) versus o sistema sexagesimal (Base 60).

Você pode não ter percebido, mas a notação sexagesimal ele está a nossa volta. Como diz Asimov:

Isso nos remete de volta aos gregos. Quando lidavam com cálculos complicados, os gregos costumavam tomar emprestado dos babilônicos o número 60 como base, tendo em vista que a grande quantidade de números divisíveis por 60 evita, com larga frequência, o uso de frações (quem não tenta evitar as frações?).

Os gregos dividiram o raio de um círculo em 60 partes iguais, de modo que, ao lidarem com meio raio, um terço, um quarto, um quinto, um sexto, um décimo (e por ai afora) do raio, podiam sempre expressar essas medidas através de um número inteiro sextagesimal.

Nos tempos antigos, o valor de Pi era simplismente o prático valor de 3 (e não 3,14159…), e uma vez que o perímetro de um círculo é igual a dois Pi vezes o raio, esse comprimento era considerado igual a seis vezes o raio, ou a 360/60 do raio. Assim, talvez, segundo Asimov, tenha-se iniciado o hábito da divisão do círculo em 360 partes iguais.

Outra aplicação é o fato de que o Sol completa seu circuito estelar em pouco mais de 365 dias, de modo que a cada dia se desloca 1/365 do céu. Ora, os antigos não iriam criar problemas por causa de poucos dias aqui e ali, e 360 é um número tão fácil para se trabalhar, que ele dividiram o circuito do céu nessa mesma quantidade de partes. Note que possuímos 12 meses com 30 dias (aproximadamente).

Ainda, cada 1/360 de um círculo é chamado de “grau”, a partir do termo latino “gradu”, que significa “degrau”. Se consideramos o Sol percorrendo um longa escadaria circular, ele se desloca um degrau a cada dia. Cada grau, se nos detivermos no sistema hexasegimal, pode ser dividido em 60 partes menores, e cada uma delas em 60 partes menores, e dai por diante.

A primeira divisão foi denominada, em latim, de “pars prima minuta” (primeira parte menor) e a segunda como “pars secunda minuta” (segunda parte menor) – expressões posteriormente abreviadas para “minutos” e “segundos”. Assim, analogamente, perceba que os sexagesimais também são empregados na medição do tempo (que originalmente se baseava nos movimentos dos corpos celestes, que era baseados na geometria circular).

Enfim, desde a antiguidade, o mundo conhece esse sistema poderoso das divisões para evitar frações complicadas. Nos dias de hoje, até a feira livre já aprendeu a beleza do sistema sexagesimal. Diferente de outras frutas que compramos por quilo, a banana mantém as raizes gregas. Podemos comprar 1 dúzia de banana, meia dúzia ou outra divisão que nos facilite.

Por isso, na próxima ida ao restaurante com os filhos, lembre-se da beleza da matemática. E fica a dica para os bares mudarem suas porções e o seguinte apelo:

      – Ô FrangÓ, sua coxinha é excelente! Então muda sua porção para 12 unidades, mas sem aumentar o preço, tá? 🙂

 


REFERÊNCIAS

1. Restaurante FrangÓ. Largo da Matriz Nossa Senhora do Ó, 168 – Freguesia do Ó. https://www.facebook.com/frangobar/
2. Isaac Asimov. Antologia 1 (1958-1973). Editora Fronteira, 1992.

 


FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.
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