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 por Fernando Barrichelo

A cena não representa o Equilíbrio de Nash

Após o sucesso do filme Uma mente brilhante, que retrata a vida de John Nash, interpretado por Russell Crowe, muitas pessoas usam a “cena do bar” como um exemplo de Teoria dos Jogos e Equilíbrio de Nash. [VER NOTA 1]

 

 

O filme e a cena são realmente muito interessantes. Abaixo, segue a reprodução da fala dos personagens. Nash e os amigos estão bebendo em um bar quando várias mulheres entram juntas. Entre elas está uma loira estonteante, a qual todos admiram e desejam, a despeito de suas amigas morenas.

Nash: Oh. Mais alguém aqui está sentindo como se ela estivesse se movendo em câmera lenta? (Referindo-se à loira)
Amigo 1: Será que ela quer uma grande festa de casamento?
Amigo 2: Vamos disputar com espadas ou pistolas?
Amigo 3: Vocês não se lembram de nada? De acordo com Adam Smith, o pai da economia moderna, em uma competição…
Demais: As ambições individuais servem ao bem comum.
Amigo 1: Exatamente. Cada um por si, cavalheiros.
Amigo 2: E aqueles que não conseguirem nada, vão para as amigas.
Amigo 3: Essa eu não perco.

 

(Depois de alguns segundos:)
Amigo 1: Ok, ninguém se mexe. Ela está olhando para cá! Ela está olhando para o Nash!
Amigo 2: Meus Deus, ele até pode ter vantagem agora, mas espere ele abrir a boca. Lembra-se da última vez?
(Nash fica observando por vários segundos, sem dizer nada.)
Nash: Adam Smith precisa de revisão.
Amigo 3: O que você está falando?

 

Nash: Se todos nós formos atrás da loira, bloquearemos uns aos outros, e nenhum de nós a conquistará. Daí iremos até suas amigas, mas elas vão nos ignorar, pois ninguém quer ser a segunda opção. E se ninguém for atrás da loira? Não atrapalharemos uns aos outros e não destrataremos as outras garotas. É a única maneira de vencermos. É o único jeito de conseguirmos uma garota.

 

(Nash fica agitado e continua:)
Nash: Adam Smith disse que o melhor resultado acontece quando todos em um grupo fazem o melhor para si próprios. Certo? Ele não disse isso? Incompleto! Incompleto!

 

(Os amigos ficam atônicos.)
Nash: O melhor resultado virá quando todos de um grupo fizerem o melhor para si próprios e para o grupo.
Amigo 3: Nash, se esse é um jeito para você ficar com a loira, vá para o inferno…
Nash: Dinâmicas governantes, cavalheiros. Adam Smith está errado!

 

(Nash se levanta, sai correndo, para em frente da loira, diz “Obrigado!” e sai do bar.)

A repercussão: “A cena não é um Equilíbrio de Nash”

Após o filme muitas pessoas começaram a se interessar pela vida de John Nash e suas ideias sobre Teoria dos Jogos. Entretanto, muitos professores e especialistas no assunto criticaram o filme, dizendo que, embora ele seja muito bom, os fundamentos teóricos eram imprecisos. De fato, Hollywood quis retratar a biografia de Nash e sua esquizofrenia, e não dar aula sobre Teoria dos Jogos.

No DVD “Games people play: games theory in life, business, and beyond“, o professor Scott P. Stevens manda um recado ao diretor do filme: “Você pode bagunçar com a vida de Nash, mas, por favor, não bagunce a sua teoria e seu equilíbrio“. [VER NOTA 2]

Há consenso entre os acadêmicos de que, embora a cena retratada simbolize um raciocínio da Teoria dos Jogos de antecipar e prever movimentos, a proposta “Vamos atrás das morenas” não é tecnicamente um Equilíbrio de Nash. O site Mind Your Decisions possui um artigo, “Game theory scene from a beautiful mind” , que discute um pouco o tema, resumido a seguir: [VER NOTA 3]

O filme é tão bem dirigido que soa convincente. No entanto, é tristemente incompleto. Ele perde a essência da Teoria dos Jogos não cooperativos. Um equilíbrio de Nash, por definição, é um estado em que uma pessoa não pode melhorar, uma vez que os outros já escolheram uma posição. Isso significa que ela está escolhendo a melhor ação possível em resposta a reação dos outros.

 

Como exemplo, vamos analisar a situação: se todos fossem em direção às morenas, seria um equilíbrio de Nash. Uma vez que seus três amigos vão para morenas, qual é a sua melhor resposta? Você pode ir para a morena ou para a loira? Com seus amigos já indo em direção às morenas, você não tem concorrência para procurar a loira. Está claro que você deve ir falar com a loira. Esse é o seu melhor movimento. Aliás, esse é um Equilíbrio de Nash. Você está feliz, e seus amigos não podem fazer melhor. Se seus amigos tentarem falar com a loira, eles acabam sem nada e perdem a chance de buscar uma morena. Então, quando Nash disse aos amigos para irem ao encontro das morenas no filme, parece que ele estava deixando a loira para ele mesmo.

 

Agora, em assuntos práticos é difícil alcançar um equilíbrio em que apenas uma pessoa vai encontrar a loira. Haverá concorrência, e alguém do grupo certamente vai sabotar a missão do outro. Portanto, há duas maneiras de encarar o jogo: uma delas é ignorar o grupo atual e esperar por um outro grupo de loiras; a segunda é permitir que um membro do grupo vá em direção à loira enquanto os outros vão para as morenas.

Outros acadêmicos levaram a discussão mais a sério ainda. Dois professores do Departamento de Economia da Universidade da Virgínia até escreveram uma tese de doze páginas, com uma sofisticada matemática, para mostrar que a verdadeira solução é o que se chama em Teoria dos Jogos de “estratégia mista”. [VER NOTA 4]

Conclusão

É verdade que a cena do filme não pode ser usada de forma didática para explicar nenhum conceito formal e técnico de equilíbrio. Porém, serve para mostrar que a essência da Teoria dos Jogos é tentar prever as decisões que os demais jogadores (os amigos de Nash e as garotas) tomarão numa sequência de ações e reações. É um bom exemplo de um jogo de antecipar os movimentos dos amigos e tomar a melhor decisão, sabendo que os competidores estão pensando da mesma forma. Embora tecnicamente errada no mundo acadêmico, a cena é uma boa anedota sobre “pensar por antecipação”.

 


NOTAS:
[1] HOWARD, 2001, ganhador do Oscar de 2002. O filme foi baseado no livro de NASAR, 2008.
[2] STEVENS, S. P. “Games people play: game theory in life, business, and beyond”. The Great Courses, course n. 1426, 2008. Disponível em: <http://www.thegreatcourses.com/courses/games­people­play­game­theory­in­life­business­and­beyond.html>. Acesso em: 25 out. 2106.
[3] TALWALKAR, P. “The game theory scene from a beautiful mind”. Mind your Decision, 10 mar. 2008. Disponível em: http://mindyourdecisions.com/blog/2008/03/10/game-theory-tuesdays-the-problem-from-a-beautiful-mind-buying-new-or-used/>. Acesso em: 25 out. 2016.
[4] ANDERSON, S. P., & ENGERS, M. “A beautiful blonde: a Nash coordination game”. Department of Economics, University of Virginia, 2002. Disponível em: <http://www.virginia.edu/economics/RePEc/vir/virpap/papers/virpap359.pdf.> Acesso em: jan. 2016
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