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 por Fernando Barrichelo

Nem tudo que não foi provado falso deve ser verdadeiro

 

Em uma palestra sobre mistérios sobre o universo numa universidade americana, Neil deGrasse Tyson, astrofísico e escritor, responde à plateia se ele acredita em OVNIs (Objetos Voadores Não Identificados). Ele responde (ver link abaixo):

Se eu acredito em OVNIs ou visitantes extraterrestres? Hum, por onde devo começar….

 

Existe uma fragilidade fascinante da mente humana que os psicólogos conhecem muito bem, chamada “Argumento da Ignorância“. Funciona assim. Você vê luzes piscando no céu. Nunca viu nada parecido e não compreende o que é aquilo. Você diz: “É um OVNI!”

 

Primeiro, lembre-se do que as letras NI significam em OVNI. “NI” significa “não identificado”. Mesmo assim, você diz: “Não sei o que é; devem ser alienígenas do espaço!”.

 

O problema é o seguinte: se você não sabe é, então deve parar imediatamente de conversar e julgar. Pode ser qualquer coisa! Esse é o argumento da ignorância.

 

É comum. Não estou culpando ninguém. Essa atitude está relacionada à nossa necessidade ardente de fabricar respostas porque ficamos desconfortáveis com a ignorância.

Douglas Walton, no livro Lógica Informal, explica bem essa falácia lógica, que possui dois formas possíveis:
(I) Não se sabe se a proposição A é verdadeira. Logo, ela é falsa.
(II) Não se sabe se a proposição A é falsa. Logo, ela é verdadeira.

Para exemplificar, veja esse diálogo:

  • Elliot: Como você sabe que existem fantasmas?
  • Zelda: Bem, até hoje ninguém provou que eles não existem, não é?

Elliot não acredita em fantasma, então pede que Zelda justifique que eles existem. Zelda responde devolvendo o ônus da prova a Elliot, que tem agora que demonstrar a não existência. No entanto, é uma falácia argumentar com base na ignorância. O fato de uma proposição nunca ter sido provada, não faz dela uma proposição falsa.

Alguns outros exemplos são:

  1. Você não pode provar que Deus não existe, então Deus existe.
  2. Você não pode provar que Deus existe, então Deus não existe.
  3. Os médicos não conseguem explicar como ela acordou do coma, então foi poder das nossas orações.
  4. Ele: “Saia comigo esta noite.” Ela: “Por que eu deveria?” Ele: “Por que você não deveria?”
  5. Ninguém provou que beber água quente não mata o Coronavírus, então água quente mata o vírus.
  6. Não há evidências que a vitamina D não ajuda na prevenção do Covid, então vitamina D previne.

Carl Sagan possui um capítulo interessante, em um dos seus livros, chamado a Arte Refinada de Detectar Mentiras. Ele sugere que todos devem conhecer as falácias mais comuns para incorporar no seu kit de detecção de mentiras, especialmente em religião, pseudo-ciência e política. Algumas delas são: o ataque ao argumentador, o argumento da autoridade, a petição por princípio, a estatística dos números pequenos, etc.

Uma dessas grandes falácias é exatamente o Argumento da Ignorância, em que tudo o que não foi provado falso deve ser verdadeiro e vice-versa. Sagan diz “essa impaciência das pessoas com a ambiguidade pode ser criticada na seguinte frase: ausência de evidência não é evidência de ausência”.

No dia a dia, as pessoas se sentem com a obrigação de dar uma resposta. Elas realmente não têm paciência com a ambiguidade, nem admitem a própria ignorância. Assim, elas respondem qualquer absurdo com aparente convicção. Pior, quando elas não se conseguem defender uma posição de forma racional e coerente, elas jogam de forma infantil o ônus da prova ao outro.

O correto seria dizer “Eu não sei”. É uma grande oportunidade humilde de admitir a ignorância. Esse é o primeiro passo para a sabedoria. Como o Neil deGrasse Tyson complementa, ninguém pode ser cientista se não sente à vontade com a ignorância.

Assim, cuidado com suas afirmações muito objetivas sobre o mundo. É preciso evitar o erro de defender com firmeza conclusões apressadas e baseadas na ignorância. Em muitas vezes, é mais sábio continuar procurando a resposta do que concluir algo precipitadamente. É mais digno dizer “não sei” do que manter sua crença teimosa devolvendo o ônus da prova ao outro.

O que mais se vê hoje em dia nos jornais e posts nas mídias sociais são argumentos infundados (sem provas) apenas para não expor a verdadeira ignorância. Paciência… Não vamos consertar o mundo, ao menos faça a sua parte para um mundo mais coerente.


REFERÊNCIAS

1. Neil deGrasse Tyson. Vídeo da palestra “Cosmic Quandaries”, St. Petersburg College, 2008. (Link)
2. Neil deGrasse Tyson. Crônicas Espaciais. Editora Planeta. 2019. Possui o transcritpt de parte da palestra. (Link)
3. Douglas N. Walton. Lógica Informal. Editora Martins Fontes. 2012. (Link)
4. Carl Sagan. O Mundo Assombrado pelos Demônios. Companhia das Letras. 1997. (Link)

FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.
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