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 por Fernando Barrichelo

Você não sabe o quanto acha que sabe

 

O conceito é antigo, mas gostei da versão de Adam Waytz (professor da Kellogg School) no livro This Idea is Brilliant, a qual fiz uma tradução/adaptação abaixo.

Funciona assim: se você perguntar a cem pessoas se elas entendem como uma geladeira funciona, a maioria responderá: sim. Mas peça uma explicação detalhada e provavelmente ouvirá um profundo silêncio. Essa ilusão é chamada The Illusion of Explanatory Depth (IOED). As pessoas acham que entendem o mundo com mais detalhes do que realmente entendem.

Pesquisadores pediram aos participantes que avaliassem o quão bem eles entendiam alguns artefatos, como uma máquina de costura ou telefone celular. Em seguida, pediram para escrever uma explicação detalhada. Depois, pediram para avaliar até que ponto eles entendiam mesmo.

O estudo mostrou que as classificações de autoconhecimento caíram drasticamente da fase um para a dois, depois que se depararam com a incapacidade de explicar. Isso também vale para política, coronavirus e desemprego… Hoje a informação é ilimitada, mas a consumimos de maneira superficial. As pessoas lêem manchetes e nada mais. Consumimos conhecimento amplamente, mas não profundamente. Todos publicam tweets com opiniões fortes, mas não sabem elaborar.

Talvez seja uma forma de acalmar desacordos acalorados: somente após tentar explicar algo é que percebemos nossa ignorância.

Leia a tradução/adaptação abaixo. No rodapé forneço mais referências.


The Illusion of Explanatory Depth

Se você perguntar a cem pessoas na rua se elas entendem como uma geladeira funciona, a maioria responderá “sim, elas entendem”. Mas peça que eles produzam uma explicação detalhada, passo a passo, de como exatamente uma geladeira funciona, e você provavelmente ouvirá um grande gaguejar ou um profundo silêncio.

Esse sentimento poderoso de saber, mas tão impreciso, é o que Leonid Rozenblit e Frank Keil chamaram de The Illusion of Explanatory Depth (IOED), afirmando: “A maioria das pessoas pensa que entendem o mundo com muito mais detalhes, coerência e profundidade do que realmente entende…”

Rozenblit e Keil demonstraram o IOED em etapas. Em uma primeira fase, eles pediram aos participantes que avaliassem quão bem eles entendiam alguns artefatos, como uma máquina de costura ou telefone celular. Em uma segunda fase, eles pediram que eles escrevessem uma explicação detalhada de como cada artefato funciona. Posteriormente, pediram que avaliassem até que ponto eles entendem cada um deles.

Estudo após estudo, mostrou que as classificações de autoconhecimento caíram drasticamente da fase um para a fase dois, depois que os participantes se depararam com sua incapacidade de explicar como o artefato em questão funciona. Obviamente, o IOED vai muito além dos objetos, como exemplo, à maneira como pensamos sobre campos científicos, doenças mentais, mercados econômicos e praticamente tudo o que somos capazes de (des)entender (do original “misunderstand”).

Essa ilusão é comum: temos acesso infinito à informação, mas a consumimos de maneira amplamente superficial. Uma pesquisa de 2014 constatou que aproximadamente seis em cada dez americanos leem manchetes e nada mais. Os principais problemas geopolíticos, desde guerras civis no Oriente Médio até os mais recentes avanços em pesquisas sobre mudanças climáticas, são destilados em tweets, vídeos virais, memes, sites de “explicações”, etc.

Consumimos conhecimento amplamente, mas não profundamente.

A compreensão deste fenômeno nos permite combater o extremismo político. Em 2013, Philip Fernbach demonstrou que o IOED está por trás das posições políticas como assistência médica, impostos, emissões de carbono, etc. Como nos estudos de Rozenbilt e Keil, Fernbach pediu às pessoas que avaliassem o quão bem elas entendiam essas questões (políticas, econômicas). Em seguida, pediu que explicassem em detalhes e na depois reavaliassem sua compreensão e posição. Conclusão: o entendimento e a extremidade da atitude caíram significativamente após a explicação do problema.  As pessoas que tinham posições exageradas ficaram mais moderadas.

Esses estudos sugerem que o IOED é uma ferramenta poderosa para acalmar desacordos políticos acalorados.

O IOED nos fornece a humildade necessária. Em qualquer domínio do conhecimento, geralmente os mais ignorantes são os mais confiantes em sua compreensão desse domínio (conhecido como Efeito Dunning-Kruger). Justin Kruger e David Dunning mostraram que os que tiveram os menores desempenhos nos testes de raciocínio lógico e gramática têm maior probabilidade de superestimar suas pontuações.

Somente através da aquisição de conhecimento em um tópico as pessoas reconhecem sua complexidade e calibram sua confiança de acordo. Ter que explicar um fenômeno nos obriga a enfrentar essa complexidade e perceber nossa ignorância.

Numa época em que a polarização política e infindáveis discussões sobre tudo, reconhecer nosso entendimento modesto das questões é o primeiro passo para superar essas divisões e desavenças.


REFERÊNCIAS

1. Adam Waytz, The Illusion of Explanatory Depth – no livro, This Idea Is Brilliant, de John Brockman, Harper Perennial, 2018. (Link)
2. Leonid Rozenblit and Frank Keil, The misunderstood limits of folk science: an illusion of explanatory depth, Cognitive Science, 2002. (Link)
3. Philip M Fernbach, Political Extremism Is Supported by an Illusion of Understanding, Psychological Science, 2013. (Link)

FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenharia pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.
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