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 por Fernando Barrichelo

Pense como um economista

Todas as manhãs eu levo as crianças para a escola. No trajeto, há sempre um trecho mais congestionado. Neste momento, eu viro à direita e faço um ziguezague por várias ruas até chegar no mesmo local de destino. Reconheço que este caminho alternativo é mais longo e lento. Se eu usar o caminho reto e curto, mesmo esperando no farol, eu chego mais rápido. Então, por que decido por isso?

Bem, primeiro é importante dizer que não é uma decisão por impulso emocional. Tenho consciência dos fatores envolvidos. É uma escolha intencional por uma alternativa de pior resultado (mais longo, mais caro, mais combustível, mais lento). Alguns diriam que é uma decisão “irracional”.

Segundo uma vasta literatura (economia comportamental e psicologia), esses tipos de decisões “sub-ótimas” são comuns. Afinal, os seres humanos não são os idealizados homo economicus, ou seja, aqueles seres racionais que maximizam todas as suas escolhas. Falhamos cognitivamente nas avaliações de cenários e somos emocionais.

Tudo tem sua utilidade

Existe uma outra forma de encarar esse dilema do trajeto. Economistas há um bom tempo criaram o conceito de “utilidade”. Utilidade é o valor que você dá a uma opção em termos de prazer, satisfação ou felicidade. Assim, os “utils” são as medidas não monetárias. Nesta teoria, entende-se que uma pessoa avalia suas alternativas (prós e contras) não apenas com fatores econômicos (mais curto, mais barato), mas também com fatores mais qualitativos (mais bonito, menos estressante). A melhor decisão é por aquela opção que possui mais utilidade (ou mais utils) que a outra.

Maria pode ir ao trabalho andando ou dirigindo. Ela considera os benefícios da caminhada – exercício e ar fresco. Então os compara com os benefícios de dirigir – economizar tempo e sentar-se com conforto. Ela decide dirigir pois, neste dia, tempo e conforto têm mais valor do que andar, exercício e ar fresco. José pesquisou os preços de uma novo computador em uma loja física perto de casa e em outra loja online. O opção online é 300 reais mais barata, mas demora 1 semana. Ele tem pressa para fazer um trabalho, então compra na loja física pois a pronta entrega representa maior utilidade e compensa a diferença de preço. Paulo está numa loja para comprar uma mala e descobre que a mesma mala custa 20 reais a menos em outra, mas precisaria pegar um ônibus e trinta minutos de deslocamento para chegar até lá. Ele prefere a viagem pois ele tem tempo e atribui mais utils a esta opção.

Até aqui, nenhuma novidade, pois preferências não monetárias e diferença de utilidades entre as pessoas são objeto de estudo da economia comportamental. O convite que faço a você é se questionar o quanto de consciência sobre a utilidade das alternativas você possui no momento da decisão. Você raciocina deliberadamente sobre suas preferências ou simplesmente decide sem pensar?

Voltando ao meu trajeto até a escola

No meu modelo mental, o desgaste emocional em ficar parado no farol, com a sensação de congestionamento, é a pior alternativa. Prefiro dirigir fluidamente por ruas arborizadas e gastar 3 minutos a mais (6h53 no lugar de 6h50) e mais dinheiro (alguns reais pelo combustível em um trajeto mais longo). Para mim, esses fatores representam maior utilidade. A sensação de ficar parado é “mais caro” para mim.

Infelizmente o WAZE não pensa assim e sempre sugere o caminho tecnicamente mais rápido. Quando eu o uso em um trajeto conhecido, raramente eu sigo a rota indicada. Ele então refaz os cálculos para o novo percurso, mas sequer muda o tempo de chegada. Ou seja, ambos caminhos (o dele e o meu) possuem o mesmo tempo. Então porque ele prefere o dele? Não tenho certeza sobre o algoritmo, mas julgo que ele avalie que 10m10seg seja melhor do que 10m20seg. Assim, por 10 segundos, ele decide matematicamente pelo menor valor.

O WAZE não se importa se eu preferiria o meu caminho pelos meros 10 segundos. Alias, ele nem sabe as minhas preferências. Isso é um problema. Aguardo ansiosamente o dia em que o WAZE tenha uma inteligência artificial com Machine Learning que identifique o meu padrão histórico das minhas rotas desviadas e perceba que dou maior valor. Assim, ele recomendaria a rota dele apenas se for 3 minutos mais rápida. Eu poderia cadastrar o meu tempo de tolerância. Para mim, seria 3 minutos (o tempo para curtir as ruas arborizadas sem afetar muito a entrada na escola). Para você, poderia ser menos ou mais, basta cadastrar. Desta forma, o WAZE poderia ser mais racional e razoável para lidar com minhas preferências sub-ótimas.

Pense como um economista

Esse tema me recorda o professor americano Robert Frank em seus livros de Economia. Imagine que você está sentado em um sofá confortável, despreocupado, escutando uma sequência de músicas em algum aparelho. Você percebe que não gosta das próximas duas músicas. Infelizmente, o controle remoto ou celular para pular as faixas está um pouco longe. Então você deve decidir se se levanta para trocar de música ou fica sentado.

Conscientemente, o benefício de trocar de faixa é não escutar uma música que não gosta. O custo é o inconveniente de levantar daquele sofá gostoso em que você já se acomodou. Se você está extremamente confortável e a música é apenas pouco chata, você provavelmente fica sentado. Mas se você tinha acabado de sentar e a música é absurdamente ruim, você provavelmente se levanta.

Como vimos, decisões assim podem ser traduzidas em formato de custo e benefício, mesmo com um valor monetário imaginário ou de utilidade. Considere primeiro o custo de se levantar. Se alguém te oferecer 1 centavo para levantar, você ignora. Mas se alguém te oferecer 1 mil reais, acho que daria um salto prontamente. Algo entre 1 centavo e 1 mil reais é o que os economistas chamam de “reservation price”, que é o mínimo valor que faria você sair do sofá (equivalente aos meus 3 minutos de tempo de tolerância).

Você também não precisa se levantar. Suponha que exista um amigo próximo na sala que cobre para trocar a música por você. Neste caso, deve existir algum valor máximo para você pagar. Se ele cobrar 100 reais, você provavelmente prefira levantar e trocar de faixa você mesmo. Mas por 5 reais você talvez prefira pagar seu amigo para poder continuar sentado e não ouvir aquela música chata. Ainda, tudo também depende do nível de irritação da música.

Frank diz pode parecer absurdo achar que alguém realmente calcule todos os custos e benefícios entre a inconveniência de levantar do sofá versus escutar uma música desagradável. Entretanto, ele argumenta que, intuitivamente, todo mundo “pensa como uma economista” mesmo sem perceber. As pessoas de fato não calculam, mas “agem como se tivessem calculado“. Isso é válido em outras situações. Milton Friedman (prêmio Nobel de Economia) diz que os atletas de salto ornamental não calculam ou não sabem as leis da física de Newton para atingir a piscina a 90 graus, mas agem como se soubessem essas leis. Muitos defendem o mesmo raciocínio no comportamento animal: eles não pensam mas agem como se tivesse pensado.

A consciência e sistematização do intuitivo

Realmente, acredito que as pessoas não pensam conscientemente nos critérios de suas escolhas e não fazem uma autoanálise do próprio modelo de decisão (custos, benefícios, preferências, utilidade). Quando prestamos atenção nas nossas decisões e temos um modelo sólido e consistente, ocorre a “sistematização do intuitivo”, como descrevo no meu livro Estratégias de Decisão. No mesmo livro, também uso a expressão “racionalizando a irracionalidade” para os casos de um raciocínio claro, explícito e menos emocional para lidar com soluções aparentemente de pior resultado.

Cada um tem seu modelo com suas próprias utilidades, e o algoritmo mental varia entre pessoas. Vejam esse exemplo. No trânsito, quando eu vejo um farol fechar lá na frente, eu já diminuo a velocidade. Minha esposa fica brava e pergunta porque desacelerei. Respondo: de nada adianta correr, ficaremos parados no farol e “dá na mesma”. Ela responde: mas para mim “não dá na mesma”; a sensação de andar devagar é de menor utilidade do que a sensação de ir rápido, mesmo que fique parado no farol depois.

Seja qual for o seu modelo mental com suas preferências quantitativas e qualitativas, meu incentivo é para você conhecê-lo claramente e usá-lo de forma deliberada, consciente e racional. Uma vez que não existe exatamente o certo ou errado, ao menos a vida se torna mais comunicável desta forma. Na próxima vez, preste atenção em como você decidiu.

 


REFERÊNCIAS
1. ROBERT H. FRANK. Microeconomics and Behavior. McGraw Hill. 2000
2. What Is Utility? Definition And Meaning. Link: https://marketbusinessnews.com/financial-glossary/utility-definition-meaning/

FERNANDO BARRICHELO é autor do livro Estratégias de Decisão (www.estrategiasdedecisao.com). Formado em engenheria pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, possui pós-graduação em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas e Master in Business Administration (MBA) pela Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos. Atua como executivo de uma grande corretora multinacional de seguros, consultoria e serviços, com passagens por outras grandes companhias nos segmentos financeiro, meio de pagamentos e industrial.
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