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 por Fernando Barrichelo

A nova forma de estar a sós juntos

O transcript abaixo é da palestra do TED TALKs Connected, but alone? de Sherry Turkle. Eu fiz algumas edições para deixar a leitura mais fluida. O vídeo está no final.


 

Apenas um minuto atrás, minha filha Rebecca me enviou um SMS de boa sorte. O texto dizia: “Mãe, você vai arrasar.” Eu adoro isto; receber esta mensagem foi como ganhar um abraço. Mas percebi um paradoxo fundamental: sou uma mulher que ama receber mensagens, mas vim aqui dizer a vocês que muitos SMS podem causar um problema.

Em 1996, quando dei minha primeira palestra no TED, Rebecca tinha 5 anos. Eu tinha acabado de escrever um livro que comemorava nossa vida na Internet e apareci na capa da revista Wired. Naqueles época experimentávamos salas de bate-papo e comunidades virtuais. Explorávamos aspectos diferentes de nós mesmos. E daí nós nos desconectavamos. Como psicóloga, o que mais me empolgou foi a ideia que usaríamos o que aprendemos no mundo virtual sobre nós mesmos, sobre nossa identidade, para viver uma vida melhor no mundo real.

Agora estamos em 2012, de volta no palco do TED. Minha filha tem 20 anos. Ela é estudante de faculdade. Ela vai dormir com seu celular, e eu também. Eu acabei de escrever um novo livro, mas desta vez não é um livro que irá me levar à capa da revista Wired. O que aconteceu? Ainda me empolgo com a tecnologia, mas estou aqui para dizer que estamos deixando nos levar a lugares que não queremos ir. Nos últimos 15 anos, fiz pesquisas sobre tecnologias da comunicação móvel e entrevistei centenas de pessoas, jovens e idosas, sobre suas vidas conectadas.

E o que encontrei foi que nossos pequenos dispositivos, estes pequenos dispositivos nos nossos bolsos, são tão potentes psicologicamente que não apenas modificam o que fazemos, mas modificam quem somos.

O que fazemos agora com nossos dispositivos são coisas que, apenas há alguns anos, teríamos achado estranho ou perturbador, mas elas rapidamente começaram a parecer familiares. Só para dar uns exemplos bem rápidos:

    • As pessoas enviam SMS ou emails durante reuniões de diretoria em empresas.
    • Fazem compras ou usam o Facebook durante aulas e apresentações.
    • As pessoas falam comigo sobre uma habilidade nova de fazer contato visual enquanto escrevemos um SMS. (Risos) As pessoas me explicam que é difícil, mas possível de se fazer.
    • Pais escrevem SMS e emails no café da manhã e no jantar enquanto seus filhos reclamam que eles não têm a atenção total. Mas, em contrapartida, esses mesmos jovens negam sua atenção total uns aos outros.

Até em funerais escrevemos SMS. Eu analiso isto. Removemos nós mesmos da nossas tristezas ou fantasias e vamos para os nossos celulares.

 

Uma nova forma de estar a sós juntos

Tudo isso é importante porque estamos criando problemas para nós mesmos – não somente em como nos relacionamos um com o outro, mas também como nos relacionamos com nós mesmos. Estamos ficando acostumados com uma nova forma de estar a sós juntos. As pessoas querem estar umas com as outras, mas também querem estar em outro lugar e customizar suas vidas. Querem ir para dentro e para fora dos lugares porque o que mais lhes importa é o controle sobre onde colocam sua atenção. Desejamos ir a uma reunião de diretoria, mas queremos prestar atenção apenas nas partes que nos interessam. Algumas pessoas pensam que isto é bom, mas podemos acabar nos escondendo uns dos outros, mesmo que estejamos conectados constantemente.

Através das gerações eu vejo que as pessoas não se fartam umas das outras, se e somente se, elas podem ter uma certa distância, em quantidades quem elas podem controlar. Mas, o que pode parecer certo para o executivo de meia idade pode ser um problema para um adolescente que precisa estabelecer relações cara a cara. Um jovem de 18 anos que escreve SMS para quase tudo me diz com tristeza: “Um dia, um dia, mas não agora, eu gostaria de aprender a conversar.”

Quando pergunto às pessoas “O que há de errado em uma conversa?” Elas dizem: “Vou lhe dizer o que há de errado. Ela acontece em tempo real e você não pode controlar o que vai dizer.” Então este é o ponto principal. SMS, email, sites – tudo isso nos permite apresentar o eu como queremos ser. Nós editamos, deletamos e retocamos o rosto, a voz, a carne, o corpo — não muito pouco, não em demasia, apenas na medida certa.

Relações humanas são ricas, confusas e exigentes. Assim, nós as limpamos com a tecnologia. E quando o fazemos, uma das coisas que acontece é que sacrificamos a conversa por uma mera conexão. Nós enganamos a nós mesmos. Com o passar do tempo, parece que nos esquecemos disso, ou parece que paramos de nos importar.

Usamos nossas conversas para aprender a conversar com nós mesmos. Assim, evitar uma conversa pode comprometer nossa habilidade de auto-reflexão. Para crianças em desenvolvimento, esta habilidade é o alicerce do desenvolvimento.

Cada vez mais ouço dizer, “Prefiro enviar SMS do que falar”. Muitas pessoas compartilham um desejo de que um dia terão uma versão mais avançada da Siri (a assistente digital do iPhone da Apple) para ser seu melhor amigo, alguém que vai ouvir quando outros não o fazem. Creio que este desejo reflete uma verdade dolorosa que aprendi nos últimos 15 anos. Aquela sensação de que ninguém está me ouvindo é muito importante em nossas relações com a tecnologia. É por isso que é tão atraente estar no Facebook ou no Twitter – tanta gente ouvindo automaticamente. A sensação de que ninguém está nos ouvindo nos leva a querer passar o tempo todo com dispositivos que parecem gostar da gente.

 

Estamos sozinhos, mas receamos a intimidade

Estamos desenvolvendo os chamados robôs sociáveis projetados especificamente para serem acompanhantes – dos idosos, dos nossos filhos, nossos. Será que perdemos a confiança de que podemos contar uns com os outros? Durante a minha pesquisa trabalhei em casas para idosos, e eu levei um desses robôs sociáveis projetados para dar aos idosos a sensação de que eram compreendidos. Um dia eu cheguei lá e uma mulher que tinha perdido um filho estava falando com um robô com a forma de um bebê. O robô parecia estar olhando nos olhos dela. Parecia estar acompanhando a conversa, dava conforto a ela. E muita gente achou isto o máximo.

Mas aquela mulher estava tentando dar sentido a sua vida com uma máquina que não tinha experiência da jornada da vida humana.

Veja como nós somos vulneráveis. As pessoas vivenciam a experiência de uma empatia fingida como se fosse a coisa real. Assim, naquele momento em que aquela mulher vivenciava a experiência de empatia fingida, eu pensava: “Aquele robô não pode sentir empatia. Ele não encara a morte. Ele não sabe o que é vida.”

Por que chegamos a este ponto? Eu acredito que seja porque a tecnologia nos atrai mais quando nos sentimos muito vulneráveis. E nós somos vulneráveis. Estamos sozinhos, mas receamos a intimidade. E assim, desde as redes sociais até os robôs sociáveis, estamos desenvolvendo tecnologias que nos oferecem a ilusão de companheirismo sem as exigências da amizade. Voltamo-nos à tecnologia para ela nos ajudar a nos sentir conectados de formas que podemos confortavelmente controlar. Mas não nos sentimos tão confortáveis pois não temos tanto controle assim.

Nos dias de hoje, estes celulares em nossos bolsos estão mudando nossas mentes e corações porque nos oferecem três fantasias gratificantes.

  • A primeira: podemos concentrar nossa atenção onde quer que nós desejamos;
  • A segunda: sempre seremos ouvidos;
  • A terceira: nunca precisaremos ficar sozinhos.

Essa terceira ideia, de que nunca ficaremos sozinhos, é fundamental para alterar nossas psiques. No momento em que as pessoas estão a sós, até mesmo por alguns segundos, elas ficam ansiosas, inquietas, entram em pânico, elas buscam um dispositivo.

Pensem sobre as pessoas na fila do caixa ou no sinal vermelho. Estar sozinho é como se fosse um problema que tem que ser resolvido. E então as pessoas tentam resolvê-lo pela conexão. Mas a conexão é mais como um sintoma do que uma cura. Ela expressa, mas não resolve um problema implícito. Mais do que um sintoma, a constante conexão está mudando a maneira como as pessoas pensam sobre elas mesmas. Está modelando uma nova maneira de ser.

 

Compartilho, portanto existo

A melhor maneira de descrever isto é “Compartilho, portanto existo”. Usamos a tecnologia para nos definir ao compartilhar nossos pensamentos e sentimentos enquanto estamos pensando e sentindo.

Antes era: Eu sinto algo, quero telefonar. Agora é: Quero sentir algo, preciso enviar um SMS.

O problema com este novo sistema de “Compartilho, portanto existo” é que, se não temos uma conexão, não nos sentimos nós mesmos. Então, o que fazemos? Conectamos cada vez mais. Mas no processo, nós estabelecemos nosso próprio isolamento.

Vocês acabam se isolando se não cultivarem a habilidade de se estar só, a habilidade de estar separado. A solidão é onde vocês se encontram para que possam alcançar as outras pessoas e formar ligações reais. Quando não temos a habilidade de estarmos a sós, procuramos outras pessoas para nos sentirmos menos ansiosos ou para nos sentirmos vivos. Se não somos capazes de ficar sozinhos, nos sentiremos mais sozinhos. Se não ensinarmos nossos filhos a ficarem a sós, eles apenas vão se sentir solitários.

O que é estou pedindo aqui é reflexão. Mais do que isto, uma conversa sobre para onde o uso da atual tecnologia poderá estar nos levando. Crescemos com a tecnologia digital, e temos bastante tempo para reconsiderarmos como usá-la, como construí-la. Não estou sugerindo que abandonemos nossos aparelhos, somente quero que desenvolvamos um relacionamento mais auto-consciente com eles, com uns e outros e com nós mesmos. Aqui estão os primeiros passos.

 

Comecem a pensar em solidão como uma coisa positiva

Façam espaço para ela. Encontrem maneiras de demonstrá-la aos seus filhos como algo de valor. Criem espaços sagrados em casa — a cozinha, a sala de jantar — e usem esses lugares para conversar. Façam o mesmo no trabalho. No trabalho, estamos tão ocupados comunicando que muitas vezes não temos tempo para pensa, nem falar sobre as coisas que realmente são importantes. Mudem isto. Essencialmente, todos nós precisamos ouvir um ao outro, inclusive as partes chatas. Porque é quando tropeçamos ou hesitamos ou ficamos sem palavras que nós nos revelamos uns aos outros.

No meu trabalho, ouço dizer que a vida é dura, que as relações são cheias de riscos. E então há tecnologia — mais simples, esperançosa, otimista, sempre jovem. Uma campanha publicitária promete que online e com avatares, você pode “Finalmente, amar seus amigos amar seu corpo, amar sua vida, online e com avatares.” Passamos uma noite na rede social em vez de ir para o bar com amigos.

Mas nossas fantasias de substituição nos custou muito. Agora todos nós precisamos focar nas muitas e muitas maneiras que a tecnologia pode nos levar de volta para nossas vidas reais, nossos próprios corpos, comunidades, políticas e o planeta. Eles precisam de nós. Vamos falar sobre como podermos usar a tecnologia digital, a tecnologia dos nossos sonhos, para fazer esta vida a vida que podemos amar.

Obrigada.

 

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