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Quando parecia que o mundo dos negócios seguia bem, o escândalo das Lojas Americanas, com desdobramentos até hoje, acendeu um sinal de alerta: é urgente aprimorar a governança corporativa. Muitos pediram maior rigor na fiscalização, mas acreditar que apenas mais controles resolverão todos os problemas é uma ideia muito simplista. É necessário incorporar valores humanos de maneira intrínseca. Como apontava Sumantra Ghoshal, professor da London Business School, a eficácia da governança depende profundamente das teorias de gestão ensinadas aos atuais e futuros líderes empresariais, incluindo a ética.

Ghoshal argumentava que as teorias de administração frequentemente adotam uma visão pessimista e determinista da natureza humana, ignorando a intencionalidade e a moralidade. Isso resulta em práticas de gestão que fomentam desconfiança e incentivam ações oportunistas. Um exemplo claro é a Teoria da Agência, que descreve a relação entre acionistas e executivos. Ela parte do pressuposto de que os gestores são inerentemente autointeressados e, por isso, devem ser rigidamente controlados para agir no melhor interesse dos proprietários. Essa abordagem levou à adoção de práticas como a remuneração baseada em metas anuais e em ações, incentivando comportamentos de curto prazo em detrimento do bem-estar a longo prazo. Casos como o das Lojas Americanas evocam lembranças de outros escândalos, como o da Enron, onde executivos manipularam informações para maximizar ganhos pessoais, resultando em grandes prejuízos para os acionistas e na perda de confiança do público.

Nos últimos cinquenta anos, houve uma tentativa significativa de aplicar métodos das ciências exatas aos estudos de negócios, buscando padrões e leis e substituindo a intencionalidade humana pelo determinismo de causa e efeito. Embora essa abordagem tenha trazido alguns benefícios, ela também excluiu considerações éticas e morais das práticas de gestão. Estudantes de MBA e executivos aprenderam esses conceitos utilitaristas em aulas de economia e estratégia, legitimando certas ações. Para os leigos, o livro “Freakonomics”, de Steven Levitt e Stephen Dubner, ilustra como as pessoas reagem a recompensas e punições em diferentes contextos, na chamada Teoria dos Incentivos.

Para ilustrar essa influência, o professor Robert Frank, da Universidade de Cornell, conduziu estudos que mostraram que, após estudar economia, os alunos passaram a esperar atitudes mais egoístas dos outros e se tornaram menos propensos a agir de maneira altruísta. Frank concluiu que a Teoria do Autointeresse, ao nos fazer esperar o pior dos outros, acaba trazendo o pior de nós mesmos. Ghoshal aponta que essa aplicação criou uma profecia autorrealizável, onde a visão pessimista de seres puramente autointeressados limitou a capacidade dos gestores de desempenharem um papel mais positivo na sociedade.

Não demorou para que os pesquisadores percebessem que as leis científicas de causa e efeito, como a Teoria da Agência e a Teoria dos Incentivos, frequentemente resultam em problemas como a seleção adversa. Reconhecendo essas limitações, propuseram a incorporação de ética e responsabilidade nos currículos acadêmicos e nas práticas corporativas. Assim, surgiram teorias como a Teoria dos Stakeholders, a Teoria do Stewardship, a Governança Corporativa, ESG e a Responsabilidade Social Corporativa. Essas teorias defendem a criação de uma rede de relacionamentos que abrange todos os envolvidos, não apenas os acionistas. Elas enfatizam a importância de incluir colaboradores, fornecedores e a sociedade em geral em um modelo de governança com responsabilidade social e fortes fundamentos éticos.

No entanto, essas abordagens ainda parecem variações mecanicistas e funcionalistas que interpretam o mundo de maneira objetiva demais e continuam a induzir comportamentos por meio de controles, relatórios, rituais de governança e comitês. Embora necessárias, essas medidas são insuficientes para promover a transformação. Elas perpetuam a lógica original que tenta solucionar problemas complexos com simples recomendações. Para alcançar uma mudança verdadeira, é necessário ir além dessas práticas e integrar uma compreensão mais holística da natureza humana, incorporando filosofia, psicologia, sociologia, neurociência, entre outras disciplinas. 

A busca para uma gestão mais eficaz e ética não é fácil, mas é essencial. Se, por um lado, as escolas de negócios devem abandonar a pretensão de tratar os estudos de negócios como uma ciência exata, cabe aos executivos a responsabilidade de liderar a mudança dentro de suas organizações. Eles precisam adotar novas práticas que promovam uma cultura corporativa que valorize a ética, a transparência e a responsabilidade social. Ao fazer isso, podem inspirar seus funcionários, ganhar a confiança dos stakeholders e contribuir para um futuro mais sustentável e justo.

Muito se fala em gestão “moderna” ao criticar teorias tradicionais. Talvez seja hora de parar de inventar novos conceitos apenas por serem modernos. Devemos retornar ao “senso comum” e à sabedoria prática na construção de teorias de gestão. Uma gestão ética pode ser “antiga” uma vez que conceitos como integridade e valores são tão remotos quanto a Grécia. Por isso, reforço a ideia: além de controles e teorias, precisamos de mais valores humanos.

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