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 por Fernando Barrichelo

Entenda sua história para ser um líder autêntico

O texto abaixo foi retirado do livro True North: Discover Your Authentic Leadership, de Bill George, 2007, Editora Jossey-Bass. Como o original é em inglês, fiz uma tradução livre de algumas partes distintas, as quais encadeei.


 

Liderança é uma jornada. O líder instantâneo simplesmente não existe. Toda jornada para a lide­rança autêntica pressupõe altos e baixos, dificuldades, seduções e re­compensas. Tornar-se um líder autêntico exige dedicação e empenho no processo de autodesenvolvimento e crescimento. Você encontrará muitas tentações para desviá-lo de seu verdadeiro norte. Manter sua autenticidade ao longo do caminho pode ser o maior desafio que você terá de enfrentar.

Ao entrevistar os líderes autênticos sobre o caminho que trilharam para seu desenvolvimento, o que saltou aos nossos olhos foi o significa­do que eles atribuíam a suas histórias de vida e a motivação que essas histórias lhes proporcionaram para que eles se tornassem líderes. Comece perguntando a si mesmo: qual é a minha história de vida? Ao compreender a sua história, você encontrará a bússola que o guiará para a liderança natural e que o manterá fiel ao seu verdadeiro norte.

 

A história da Starbucks

Howard Schultz, o fundador da Starbucks, representa um excelente exemplo de um líder que utilizou sua história de vida para definir seu estilo de liderança. No inverno de 1961, Schultz tinha sete anos e estava jogando bolas de neve com os amigos perto do prédio no qual sua famí­lia morava, no Brooklyn, em Nova York. Sua mãe gritou da janela do apartamento do sétimo andar: “Howard, venha para dentro. O papai sofreu um acidente”. O que se seguiu o marcaria pelo resto de sua vida.

Ele encontrou seu pai com a perna inteira engessada, deitado no sofá da sala. Enquanto trabalhava como motorista de um caminhão de entregas, o pai de Schultz tinha escorregado no gelo e quebrado o tor­nozelo. Com isso ele perdeu o emprego – e os benefícios da assistência médica da família. Naquela época, não se pagava indenização para os empregados, e a mãe de Schultz, grávida de sete meses, não podia tra­balhar. A família não tinha reservas financeiras. Noite após noite, Schultz ouviu seus pais discutindo à mesa de jantar sobre quanto dinheiro eles precisariam emprestar e de quem.

Schultz jurou que faria de forma diferente se tivesse a chance. Ele sonhava em criar uma empresa que tratasse bem os empregados e des­se benefícios de assistência médica. Mal sabia ele que um dia seria res­ponsável por 140.000 empregados trabalhando em 11.000 lojas no mun­do inteiro. Schultz foi motivado por suas experiências de vida a fundar a Starbucks – e já a construiu para ser a maior rede de cafés do mundo.

As memórias do período em que seu pai não tinha assistência médi­ca levaram Schultz a fazer da Starbucks a primeira empresa norte-ame­ricana a oferecer cobertura de saúde até a empregados temporários, que trabalham apenas 20 horas semanais. “Minha inspiração foi ter vis­to o meu pai em constantes dificuldades financeiras ao longo dos 30 ter­ríveis empregos braçais que teve em sua vida, em lugares onde uma pes­soa sem instrução simplesmente não tinha chances”, Schultz contou.

Diferentemente de algumas pessoas que ascendem de origens hu­mildes para acumular uma grande fortuna pessoal, Schultz não se en­vergonha de suas raízes. Ele aprecia a sua história de vida por ter lhe dado a motivação para criar um dos maiores sucessos dos negócios dos últimos 25 anos. Mas a compreensão do significado de sua história exi­giu uma profunda reflexão porque, como quase todas as pessoas, ele precisou confrontar os medos e os fantasmas de seu passado. Entretanto, foi justamente a experiência de ter crescido no Brooklyn que permitiu a Schultz ser tão normal a ponto de poder se relacionar com qualquer pessoa. Ele fala com um ligeiro sotaque do Brooklyn, adora cantina italiana, se veste informalmente com jeans e respeita todos os tipos de pessoas. Ele nunca se esquece de suas ori­gens ou permite que a sua fortuna lhe suba à cabeça.

Sua mãe lhe disse que ele podia realizar o que quisesse na América. Já as palavras do pai tinham efeito oposto. Como motorista de caminhão, chofer de táxi e operário de fábrica, ele costumava manter dois ou três empregos ao mesmo tempo para pagar as contas, mas nunca conseguiu ganhar mais de 20.000 dólares anuais. Schultz observou seu pai entrar em colapso enquanto reclamava amargamente de não ter tido oportunidades ou obtido o respeito dos outros.

Na adolescência, Schultz sentiu o estigma dos fracassos do pai, e os dois se enfrentavam com freqüência. “Eu me amargurava com as poucas realizações e a falta de responsabilidade dele”, ele se recorda. “Eu achava que ele poderia ter realizado muito mais se tivesse se empenhado.” Schultz se empenhou para fugir desse destino. “Parte do que sempre me motivou foi o medo do fracasso. Eu sei muito bem o que é a derrota.”

 

A fase adulta

Sentindo-se como um perdedor, Schultz desenvolveu uma profunda determinação de vencer. Schultz iniciou sua carreira na Xerox mas sentiu que o ambiente era burocrático e rígido demais para que ele pudesse evoluir. Enquanto os outros prosperavam na cultura da Xerox, Schultz ansiava por encon­trar o seu próprio caminho. “Eu precisava encontrar um lugar onde pudesse ser eu mesmo”, ele conta.

Mais tarde, Schultz trabalhou com venda de filtros para café, traba­lho no qual conheceu a Starbucks durante uma visita de negócios na Pike Place Market, em Seattle. “Eu senti que tinha descoberto um con­tinente inteiro”, ele diz. Ele conseguiu trabalhar na empresa, tornan­do-se o seu diretor operacional e de marketing. Em uma viagem a trabalho para a Itália, Schultz notou a experiência comunitária única que os bares de café expresso em Milão proporcio­navam na vida cotidiana de seus clientes. Ele sonhava em criar um sen­so comunitário similar nos Estados Unidos, usando o café como eixo principal. Com isso em mente, Schultz decidiu lançar o seu próprio ne­gócio e abriu três cafés em Seattle. Mas, ao saber que poderia adquirir a Starbucks de seus fundadores, Schultz rapidamente levantou fundos de investidores privados.

Na finalização da compra, Schultz enfrentou seu maior desafio quan­do um de seus investidores também quis comprar a empresa. “Eu tive medo de que todos os meus influentes defensores se curvariam a esse investidor”, ele se recorda. “Eu pedi a Bill Gates Sr., pai do fundador da Microsoft, que me ajudasse, com sua credibilidade e influência, a en­frentar um dos titãs de Seattle.” Schultz teve uma dura reunião com o investidor, que lhe disse: “Se você se voltar contra mim, nunca encontrará trabalho nessa cidade novamente. Você nunca vai levantar mais nenhum dólar. Você vai virar comida de cachorro”. Ao sair da reunião, Schultz foi dominado pelas lágrimas. Por duas frenéticas semanas, ele preparou um plano alterna­tivo que o ajudou a levantar os 3,8 milhões de dólares que precisava. Isso afastou o outro investidor. “Se eu tivesse concordado com os termos exigidos pelo investidor, ele teria roubado o meu sonho. Ele teria me demitido por capricho e definido a atmosfera e os valores da Starbucks. A paixão, o comprome­timento e a dedicação não teriam existido.”

O dia mais triste da vida de Schultz foi o da morte de seu pai. Quan­do ele conversou com um amigo sobre os conflitos que sentia em seu relacionamento com o pai, seu amigo observou: “Se ele tivesse sido bem­ sucedido, você não teria a motivação que tem hoje”. Depois da morte do pai, Schultz mudou a perspectiva da imagem que tinha dele, reconhecendo pontos fortes como honestidade, ética no trabalho e comprometimento com a família. Em vez de ver seu pai como um fracassado, ele passou a acreditar que o sistema o havia esmagado.

Schultz canalizou a sua motivação para construir uma empresa na qual seu pai teria tido orgulho de trabalhar. Ao pagar mais do que o salário médio do mercado, oferecer benefícios substanciais e conceder opções sobre ações a todos os empregados, a Starbucks proporciona aos funcionários o que o pai de Schultz nunca recebeu. Schultz utiliza esses incentivos para atrair e reter pessoas cujos valores são compatí­veis com os da empresa. Como resultado, a rotatividade de emprega­dos na Starbucks é menos do que a metade da dos outros varejistas.

Entre os maiores talentos de Schultz está a sua habilidade em se relacionar com pessoas de diferentes origens e formações. Ele conta a sua história e a história da Starbucks em eventos especiais e visitas a mais de vinte lojas da rede por semana. Todos os dias ele acorda às Sh30 da manhã para falar ao telefone com o pessoal da Starbucks ao redor do mundo. Ele diz que a Starbucks lhe deu “uma tela em branco sobre a qual pintar”.

A experiência de Schultz é instrutiva na forma como ele utilizou cons­cientemente as suas experiências de vida para vislumbrar o tipo de empresa que queria criar e fez com que isso acontecesse. O seu exem­plo se inclui entre as dezenas de líderes autênticos que basearam seu sucesso e inspiração diretamente em suas histórias de vida.

 

Sua história de vida define sua liderança

Ao serem questionados sobre o que os impulsiona a liderar, os líderes autênticos sempre dizem que encontraram sua motivação em suas pró­prias histórias, que lhes permitiram saber quem são e lhes ensinaram a se manter focados em seu verdadeiro norte. As histórias dos líderes autênticos cobrem todo o leque de experiên­cias de vida. Incluem a influência dos pais, professores, treinadores e mentores que reconheceram o seu potencial. Ou a influência de suas comunidades, a participação em algum esporte, escotismo, movimen­tos estudantis e primeiros empregos. Muitos líderes descobrem que a sua motivação resulta de uma experiência difícil em suas vidas: doença pessoal ou de um membro da família, a morte do pai, mãe ou irmão, sentimentos de exclusão, discriminação ou rejeição.

O que emerge dessas histórias é que praticamente todos os líderes entrevistados encontraram a sua paixão para liderar na singularidade de suas histórias de vida. Não por terem nascido destinados a serem líderes. Não por terem acreditado que tivessem as características, os traços ou o estilo de um líder. Não por tentarem imitar os grandes líderes. Se isso não define a lide­rança, o que define? O que podemos aprender com as histórias de Howard Schultz e tantos outros? O que define a liderança é a própria história de vida.

Todos os líderes entrevistados utilizam as suas histórias de vida como a fonte de sua paixão e inspiração para liderar. Ao entender como as experiên­cias passadas foram determinantes para sua formação, eles foram ca­pazes de canalizar suas histórias de vida e sua liderança para concreti­zar suas paixões e seguir seu verdadeiro norte. Ele confiaram em si.

Nesse ponto, você pode estar se perguntando: mas todas as pessoas não têm uma história de vida? O que faz das histórias dos lideres dife­rentes das histórias de todas as outras pessoas? Muitas pessoas com histórias tristes ou difíceis se vêem como víti­mas, sentindo o que o mundo lhes foi injusto. Ou elas não refletem o suficiente para enxergar a ligação entre as suas experiências de vida e as metas que estão tentando atingir agora. Algumas se concentram tanto em ser amadas pelo mundo que nunca se tornam líderes genuínos. A diferença dos líderes autênticos reside na forma como eles mol­dam as suas histórias. As suas histórias proporcionam o contexto para suas vidas e, por meio delas, eles descobrem a paixão e a inspiração para produzir impacto no mundo.

Como disse o romancista John Barth, “A história da sua vida não é a sua vida. É a sua história”. Em outras palavras, é a sua história que importa, não os fatos da sua vida.

As nos­sas histórias de vida são como filmes permanentes projeta dos nas nos­sas cabeças. Muitas vezes, revemos os eventos e as interações com as pessoas que foram importantes nas nossas vidas, tentando fazer com que eles tenham algum sentido e utilizando-os para descobrir o nosso lugar no mundo. Mudar o enfoque das nossas histórias permite reconhecer que não somos vítimas, mas pessoas moldadas por experiências que proporcio­nam o ímpeto para nos tornamos líderes. As nossas histórias de vida evoluem constantemente à medida que moldamos o significado do nos­so passado, presente e futuro.

Como o autor da sua história, você consegue ligar os pontos entre o seu passado e o seu futuro para descobrir sua inspiração de liderar com autenticidade? Quais pessoas ou experiências o moldaram? Qual fo­ram os momentos decisivos da sua vida? Onde, na sua história de vida, você pode encontrar sua paixão por liderar?

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