por Fernando Barrichelo
Veja o meu relato sobre ele
John Nash Forbes Jr ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1994 por seus estudos em Teoria dos Jogos. Em função desses estudos, uma das soluções matemáticas foi batizada de Equilíbrio de Nash. Nash foi personagem de Russell Crowe no filme Uma mente brilhante, ganhador do Oscar de 2002. Tive o prazer de encontrá-lo pessoalmente por duas vezes e faço um breve relato desses encontros.[VER NOTA 1]
Primeiro encontro (2008)
Encontrei John Nash no congresso Games 2008: Third World Congress of the Game Theory Society, na Kellogg School of Management, na Northwestern University. Minha primeira impressão foi ótima. Nash tinha cara de bom velhinho. Naquele ano completava 80 anos: andava bem devagar, falava pausadamente e muito baixinho. Ele estava vestido com uma roupa um pouco amassada e uma camiseta branca por baixo da camisa social. [VER NOTA 2]
Andava solitário na maioria das vezes. Não o vi conversando com as “novas autoridades”, os professores de 50 anos que faziam as apresentações. Mas era o único “famoso” que, de forma humilde, entrou em todas as salas e sentou-se do lado de todos os participantes; às vezes puxava uma conversa discreta.
Enquanto andava, ele encarava todas as pessoas diretamente nos olhos. Depois, sentava-se sozinho em algum lugar e ficava escrevendo algo. Fiquei sabendo que ele ficava fazendo “cálculos” matemáticos por recomendação do psiquiatra, pois era uma forma de se manter ativo e longe da esquizofrenia que o acometera no passado e que foi retratada no filme. Nash fez uma pergunta durante a apresentação de um brasileiro do INSPER. “Ganhei meu dia”, disse o brasileiro. Afinal, Nash era uma celebridade.
Em sua palestra, Nash usou transparências e retroprojetor (fotos acima) e não PowerPoint e computador. Pediu desculpas pelo improviso. Não entendi nada do que ouvi na palestra; não porque ele falou baixinho, mas porque sua fluência sobre as questões matemáticas estava além do meu alcance. O título da palestra de 45 minutos era “Work on a project to study three-person cooperative games using the agencies method”.
Algumas pessoas se aproximavam dele para tirar dúvidas, às quais ele solicitamente respondia. Não sei o que conversavam — devia ser sobre achar algum equilíbrio em algum jogo matemático. Pensei em puxar conversa, mas não tinha ideia do que perguntar. Na verdade, eu queria saber a opinião dele sobre o filme. Certamente não era uma pergunta original, mas seria interessante ouvi-lo.
Os participantes do congresso ficavam alvoroçados ao encontrar os demais Prêmios Nobel presentes. Muitos entregaram papers em mãos (é similar a entregar o currículo para conseguir uma entrevista). Mas Nash foi a única pessoa entre todos os famosos com a qual o público queria tirar fotos. O interessante é que as pessoas queriam tirar fotos com Nash, e não de Nash. Tietagens à parte, eu também, e foi uma grande experiência. [VER NOTA 3]
Segundo encontro (2010)
Encontrei John Nash novamente em julho de 2010, no 2º Brazilian Workshop of The Game Theory Society, na USP, em São Paulo. O evento comemorava o 60º aniversário do conceito Equilíbrio de Nash — em 1950, Nash escreveu sua dissertação que revolucionou o meio acadêmico em Teoria dos Jogos. Como brincadeira, Robert Aumann (outro Prêmio Nobel presente no evento) disse que chamaria o workshop de “Nash Fest”.
Nessa época, 2010, ele estava com 82 anos, um pouco mais frágil, andando mais devagar, falando em voz muita baixa e difícil de entender. De resto, ele continuava com o mesmo jeito de bom velhinho e muito lúcido — inclusive deu mais uma palestra (daquelas que não consigo entender). Como no evento de 2008, passeou por todos os locais, entrou nas salas e nos auditórios, assistiu às palestras com atenção e fez algumas perguntas.
Um ponto interessante foi uma sessão chamada “Conversation with John Nash”, na qual a coordenadora do evento fazia perguntas. Naquele momento pudemos observar mais uma vez sua simplicidade e sua humildade. O evento mostrou a cena do filme Uma mente brilhante, na qual Nash e seus amigos estavam em um bar quando entraram as garotas. Segundo o filme, foi naquele momento que Nash teve o insight para escrever sua tese.
Após a cena, a própria organização do evento informou que aquilo não era Equilíbrio de Nash, mas aproveitou para perguntar se ele realmente teve um insight sobre seu teorema. Ele ficou pensando, balbuciou algo e respondeu algo assim:
Não… Acho que não tive insight… Difícil de lembrar… Seria o mesmo que perguntar a Thomas Edison como foi o insight para criar a lâmpada. Talvez não tenha tido ou não me lembre.
Bem, seria mais marqueteiro e interessante se ele respondesse que teve o insight no bar, no chuveiro ou embaixo de uma árvore, mesmo que fosse mentira. Mas não; ele preferiu manter a modéstia. Igualmente, quando foi perguntado “Por que escolheu a Matemática e a Teoria dos Jogos?”, a resposta foi um tanto confusa: gostou de Economia Internacional quando fez um curso em Carnegie Mellon porque o professor era ótimo (um russo visitante de Chicago) e depois passou a gostar de Engenharia e Química. Então, resolveu fazer Engenharia Química, mas desistiu, pensou em fazer Inglês, mas não viu futuro. Daí resolveu fazer Matemática.
Mas John Nash podia dizer essas coisas por algumas razões. Ele deu uma contribuição imensa à Teoria dos Jogos com uma teoria que tem o seu nome (Equilíbrio de Nash), ganhou o Prêmio Nobel, ficou afastado das pesquisas durante trinta anos devido à esquizofrenia, recuperou-se, voltou à ativa para dar aulas e participou de congressos internacionais, mesmo com a idade avançada. Além disso, era bem simpático.
É notável a sua simplicidade. Em uma entrevista para uma rede de TV, uma das perguntas foi: “Se você fosse escolher alguma coisa para ainda conquistar na vida, o que seria?”. Ele respondeu: [VER NOTA 4]
— Bem, apenas gostaria de fazer um bom trabalho nesta idade avançada, após muitos anos sem trabalhar. Se eu pudesse subtrair todos os anos em que não trabalhei, eu não seria tão velho assim, como os meus 81 anos indicam. Veja, 81 menos 25 são 56, e essa não é uma idade para não fazer nada.
— E em que área você se concentraria? — , perguntou o apresentador.
— Eu gostaria de fazer algo totalmente diferente, alguma coisa em que eu não fosse tão esperto.
De fato, uma mente brilhante.
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